Única mulher negra a falar, ela disse que debate tem sido feito como se atingisse apenas criminosos de colarinho branco
Muitas vezes mencionada nas várias sustentações que tomaram a tribuna do Supremo Tribunal Federal nesta quinta-feira (17/10) no início do julgamento das ações que tratam da possibilidade da prisão após condenação em segunda instância, a população negra se viu representada apenas uma vez no púlpito da Corte. A advogada Silvia Souza, da Conectas Direitos Humanos, ocupou a tribuna e se apresentou como única mulher e negra a fazê-lo. Era, também, das poucas negras no plenário como um todo.
“O artigo 312 do Código de Processo Penal prevê que as hipóteses da prisão cautelar, embora posta no sistema de Justiça como exceção, torna-se regra em especial para a população negra e pobre. É preciso reconhecer que a restrição de direitos, sejam econômicos, sociais ou as liberdades atingem em primeiro lugar, e com muito mais força, a população pobre, preta e periférica”, disse.
Ela ainda apontou o fato de estar solitária na condição de representante de um dos grupos mais afetados pelas normas penais brasileiras. “Aqueles que pouco aqui são ouvidos e representados, haja vista o fato de eu ser a única mulher negra, a única pessoa negra a falar nessa tribuna, isso porque os corpos negros estão nas valas, estão empoleirando as prisões em condições sub-humanas, em condições insustentáveis”, enfatizou.
Ao final do dia, foi parabenizada pela fala e cumprimentada por colegas advogados e ouvintes presentes. Ela reforçou que a Corte, como outros tribunais superiores, têm reconhecido e reafirmado o princípio da proibição do retrocesso. Ela citou o jurista português Gomes Canotilho, para quem “o princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos”, sob pena de afronta aos direitos humanos e à própria segurança jurídica.
Silvia Souza ressaltou: “Ainda que seja permitido realizar ajustes à Constituição e, no limite, aos Tribunais, interpretar as cláusulas pétreas e legislação infraconstitucional, é absolutamente vedada alterações que afrontem o núcleo essencial de direitos e garantias fundamentais já conquistados.”
De acordo com ela, ainda, a relativização da presunção de inocência tem sido pautado como se se afetasse apenas condenados por crimes de colarinho branco. “Mas sabemos muito bem a quem se endereça o aparato penal”, apontou.
Reportagem originalmente publicada no JOTA.
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