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Segurança pública e direitos humanos

Segurança pública e direitos humanos

Artigo sobre a letalidade policial, a ADPF 635 – ADPF das Favelas – Segurança pública e direitos humanos.

Após ataque a 60ª DP – Delegacia de Polícia, em Duque de Caxias, para libertar um traficante do CV – Comando Vermelho, que resultou, segundo a polícia civil, em dois policiais baleados que foram levados ao hospital, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), declarou no último domingo (16/2), através de uma rede social, que “A ousadia dos criminosos ao atacar uma delegacia de polícia não vai ficar por isso mesmo (…) E já vou avisando à turminha dos ‘direitos humanos’, não encham meu saco, porque a resposta será dura e na mesma proporção, só que com efetividade e dentro da lei” (sic).

Além da expressão chula utilizada pelo governador do Rio, é preciso salientar que quando as ações policiais ocorrem dentro do estrito cumprimento do dever legal (excludente de ilicitude) não haverá oposição da “turminha” dos direitos humanos. Para isso, basta que as forças policiais ajam dentro dos limites legais que vedam o uso desproporcional da força, invasão de domicílios sem situação de flagrância ou de mandado judicial, prisões ilegais e arbitrárias, esculachos, torturas e execuções sumárias.

As abordagens violentas por parte dos policiais – que resultam em lesões corporais e por vezes na morte do abordado – são motivadas majoritariamente e via de regra pela “aparência do abordado”. A “atitude suspeita”, como bem observa Nilo Batista, “é quase sempre resultante da violação de uma regra absolutamente ilegal, que interdita o acesso de pobres a certos espaços urbanos”1

Entretanto ao que parece, o governador Cláudio Castro, assim como os seus secretários de segurança pública e de polícia civil, Victor César dos Santos e Felipe Curi, ao defenderem que o STF julgue improcedente a ADPF – Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, conhecida como “ADPF das Favelas” – proposta em 2019 pelo PSB – Partido Socialista Brasileiro objetivando reduzir a letalidade policial no Estado do Rio de Janeiro em julgamento que foi retomado no dia 5/2 último com o voto do relator ministro Edson Fachin – desejam uma espécie de “licença para matar”.

Segundo os advogados Daniel Sarmento e Ademar Borges que, em caráter pro bono, propuseram a ação em nome do partido, a premissa fundamental da ADPF “é de que é possível conciliar a garantia da segurança pública com o respeito aos direitos dos moradores das favelas – que, na sua imensa maioria, não têm qualquer relação com a criminalidade”. Destacam, ainda, os advogados que “as mortes desses moradores – inclusive de crianças – não podem ser tratadas como meros danos colaterais no combate ao crime”.2

Necessário destacar que no ano passado, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, 6.393 pessoas foram mortas pelas forças policiais brasileiras, o que equivale a 17 pessoas por dia. Sendo certo, ainda, que a letalidade policial quase triplicou numa década, sendo que a grande maioria das vítimas são os mais vulneráveis (jovens negros, pobres e favelados).

Infelizmente, a utilização da violência por agentes do Estado é aplaudida por boa parte da sociedade que enxerga, equivocadamente, a repressão desmedida e violenta como medida única e imprescindível para o tão alardeado “combate ao crime” – na verdade ao criminalizado. Nesta toada, aqueles que defendem uma política de segurança pública compatível com o respeito aos direitos humanos e as garantias fundamentais são execrados por “defenderem bandidos”.

Para aqueles que insistem em classificar e estigmatizar a “turminha” dos direitos humanos como “defensores de bandidos”, urge esclarecer que:

Os direitos fundamentais da pessoa, chamados direitos humanos, se classificam em: i) Direitos individuais, que se relacionam à vida, à liberdade, à propriedade, à segurança e à igualdade; ii) Direitos sociais que compreendem os direitos relativos à saúde, à educação, à previdência e à assistência social, ao lazer, ao trabalho, à segurança e ao transporte; iii) Direitos econômicos são aqueles contidos em normas de conteúdo econômico que viabilizarão a política econômica (o direito ao pleno empregos, o direito ambiental e os direitos do consumidor) e iv) Direitos políticos que são direitos à participação popular no poder do Estado. São aqueles que se referem ao direito de votar e ser votado, do referendo, do plebiscito e da iniciativa popular das leis.3

Os constitucionalistas costumam distinguir os direitos humanos em três, ou até quatro, gerações: a primeira corresponde aos direitos individuais; a segunda aos direitos sociais, de natureza trabalhista e os que não têm relação de emprego, como por exemplo, os direitos à educação, à moradia, ou à saúde; e os direitos humanos de terceira geração são os direitos da humanidade, como a preservação do meio ambiente.

Como bem assinala Cançado Trindade:

O Direito dos direitos humanos não rege a relação entre iguais; opera precisamente em defesa dos ostensivamente mais fracos. Nas relações entre desiguais, posiciona-se em favor dos mais necessitados de proteção. Não busca obter um equilíbrio abstrato entre as partes, mas remediar os efeitos do desequilíbrio e das disparidades. Não se nutre das barganhas da reciprocidade, mas se inspira nas considerações de ordre public em defesa de interesses superiores, da realização da justiça. É o direito de proteção dos mais fracos e vulneráveis, cujos avanços em sua evolução histórica se têm devido em grande parte a mobilização da sociedade civil contra todos os tipos de dominação, exclusão e repressão.4  

Por fim, é imperioso deixar assentado que não há antagonismo na política de segurança pública e no seu comprometimento com os direitos humanos, pelo contrário, no dizer preciso de Luiz Eduardo Soares, “não há política pública senão no âmbito do Estado democrático de direito, em que a Justiça toma a equidade como bússola, onde há pluralismo e reina a liberdade, a despeito dos inevitáveis limites e todas as contradições”.5

___________

1 BATISTA, Nilo. Apresentação (ou algo melhor que a polícia). Sem polícia. In: Sem polícia. Acácio Augusto… et. al; Vera Malaguti Batista (Org.). 1. ed. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2024.

2 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2025/02/a-adpf-das-favelas-e-o-supremo.shtml

3 Idem.

4 Cf. Antônio Augusto Cançado Trindade na apresentação da obra Direitos humanos e direito constitucional internacional. Flávia Piovesan. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

5 SOARES, Luiz Eduardo. Desmilitarizar: segurança pública e direitos humanos… op. cit.

Artigo publicado originalmente no Migalhas.

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