728 x 90

A cultura de experimentação e a transformação digital da advocacia pública

A cultura de experimentação e a transformação digital da advocacia pública

Por Jorge Messias e Clarice Calixto

Gestão pública tem sido desafiada a ter ganhos de eficiência cada vez mais significativos para gerar entregas mais efetivas à sociedade

“A música ‘Cérebro Eletrônico’ foi composta por Gilberto Gil em 1969. Ela faz parte do álbum ‘Gilberto Gil’ lançado no mesmo ano. ‘Cérebro Eletrônico’ é uma das canções mais famosas e influentes do repertório de Gilberto Gil, sendo considerada um marco na música popular brasileira.”

O parágrafo acima foi a resposta dada pela ferramenta ChatGPT, em sua versão online, aberta ao público em geral, quando indagada sobre o ano de composição da canção que nos inspira hoje escrevendo este texto. As inquietações sobre o tema da inteligência artificial são antigas, embora os desafios de hoje sejam especialmente novos.

Lançamos neste mês de junho o Laboratório de Inovação da Advocacia-Geral da União (Labori), em evento prestigiado pela ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, pelo secretário Roberto Pojo, do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, e pelo diretor-geral do Senai, Rafael Lucchesi.

Como primeira iniciativa disruptiva do Labori, anunciamos o novo Assistente de Inteligência Artificial do nosso sistema Sapiens, sistema eletrônico desenvolvido e mantido pela AGU cujo acervo digital já ultrapassa 1 bilhão de documentos. Os números gigantes da nossa instituição nos impulsionam rumo à transformação digital há muitos anos: em 2023, temos contabilizado o recebimento de mais de 1,5 milhão de intimações judiciais por mês, distribuídas para milhares de advogados públicos espalhados por todo o país. Além disso, são também numerosas as manifestações jurídicas de assessoramento e consultoria emitidas pela AGU mensalmente para ministérios e autarquias federais.

O assistente de inteligência artificial do Sapiens terá como base o modelo multimodal do GPT-4, tecnologia que permite que o computador compreenda a linguagem humana, analise dados e gere textos. Como um copiloto, a ferramenta é capaz de interagir com os advogados públicos federais em tarefas de redação criativa e técnica de minutas de petições e outros documentos jurídicos.

Estamos entusiasmados com o potencial transformador da solução tecnológica, que nesta semana começa a ser testada em nossa instituição em etapa experimental, apenas no âmbito de processos de baixo valor que tramitam no Juizado Especial Federal. Se a experiência funcionar bem, teremos enorme ganho de produtividade na advocacia de massa, que hoje ocupa a carga horária de centenas de profissionais de nossa instituição.

No entanto, estamos também atentos aos riscos trazidos pelo uso massivo da inteligência generativa na contemporaneidade. Acompanhamos os debates sobre os limites éticos, sobre as questões relacionadas a privacidade e proteção de dados pessoais, além de significativa preocupação com os erros e informações inverídicas, que curiosamente os experts chamam de alucinações artificiais.

O “cérebro eletrônico” é capaz de mentir e isso é gravíssimo no mundo do Direito. Como noticiado neste JOTA há algumas semanas, a Justiça dos EUA lidou com um caso delicado em que texto de petição produzido por solução de inteligência artificial citou precedentes inventados para fundamentar determinada argumentação.

Nesse contexto, o grande desafio é conseguir inovar e aproveitar o potencial transformador da inteligência artificial (em especial da inteligência generativa), acompanhando uma tendência mundial inexorável, sem perder a qualidade técnica e o rigor ético da atuação da advocacia pública federal.

Na aplicação da tecnologia do GPT-4 na AGU, o acervo de conhecimento acessível ao assistente de inteligência artificial está restrito ao corpo de conhecimento construído a partir das manifestações jurídicas dos membros da AGU. Essa delimitação da fonte de dados será crucial para garantir a qualidade das informações fornecidas pelo assistente e, ao mesmo tempo, reduzir o risco de vieses e alucinações.

A AGU está também comprometida em garantir a segurança dos dados e a privacidade das pessoas na implementação da solução de inteligência artificial. Para isso, o assistente será operado em um ambiente de nuvem que é fechado, cercado de garantias contratuais rigorosas, e projetado para manter os dados seguros e protegidos, inclusive com sistemática própria de anonimização e vedação de armazenamento ou compartilhamento. A eficácia de todas essas cautelas será mensurada daqui a algumas semanas, quando for realizada a etapa de avaliação do projeto piloto.

A experimentação está lançada, em espírito inovador. A gestão pública tem sido desafiada a ter ganhos de eficiência cada vez mais significativos, para gerar entregas mais efetivas à sociedade brasileira. Acreditamos, portanto, que as instituições de Estado devem estar na vanguarda da transformação digital, atentas à necessidade de aprimoramentos constantes. Os riscos de inovar sempre existirão, especialmente se fomentarmos uma cultura de experimentação e criatividade. O que nos cabe é aliar o zelo à ousadia, de modo que os avanços nos levem por caminhos cada vez mais interessantes, em articulação com parceiros da administração pública, das universidades, da sociedade civil e da iniciativa privada. É essa a nossa aposta no novo Labori, Laboratório de Inovação da AGU.

Artigo publicado originalmente no Jota.

Compartilhe

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados com *

Mais do Prerrô

Compartilhe