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A reforma do Judiciário de Moro

A reforma do Judiciário de Moro

Por Sergio Renault, Pierpaolo Cruz Bottini, Rogerio Favreto, Marivaldo Pereira, Marcelo Vieira, Flávio Caetano e Marcelo Veiga

Aperfeiçoar sistema de Justiça vai além de buscar eficiência e reduzir custos

O ex-juiz Sergio Moro (Podemos), pré-candidato à Presidência da República, anunciou que pretende reformar o Judiciário para torná-lo mais eficiente e menos custoso. Louvável, mas é preciso explicar qual eficiência se quer alcançar e quais custos serão cortados.

Na seara criminal, eficiência para Moro parece ser endurecer penas, executá-las o mais rápido possível (mesmo antes do fim do processo) e ampliar excludentes de ilicitude para agentes armados do Estado.

Foram essas as propostas apresentadas ao Congresso Nacional em sua breve passagem pelo Ministério da Justiça. Talvez entenda como bom resultado o aumento do número de presos e de condenações.

Se esse for o critério, não é necessária a reforma: o Brasil tem cerca de 680 mil presos, um terço sem condenação definitiva e alto índices de mortes pela polícia. Trata-se de uma eficiência seletiva, que atinge negros e pobres, e perigosa, pois alimenta o crime organizado, a desigualdade social e a própria insegurança em razão dos altos índices de reincidência.

É possível, porém, que o ex-juiz entenda como eficiência criminal o combate eficaz à corrupção. Neste caso, espera-se que as propostas não repitam os erros da Operação Lava Jato, que abusou de conduções coercitivas, violação de sigilos, prisões arbitrárias e desvios de competência. O resultado foi tudo, menos a propalada eficiência: anos de investigações desperdiçados em processos anulados porque conduzidos sem a devida cautela por juiz incompetente ou suspeito.

Na seara cível, eficiência não é cortar custos, mas buscar estratégias para agilizar a solução de conflitos. Para isso, é preciso analisar o problema em sua real dimensão. A morosidade da Justiça não decorre da desídia de juízes, uma vez que os magistrados brasileiros julgam tanto ou mais que seus pares de outros países. O problema é outro: o excesso de litígios, sobre o qual tem culpa o próprio Poder Executivo, com políticas do uso sistemático do Judiciário para postergar pagamentos de dívidas. Para ganhar eficiência é preciso pensar em formas de reduzir o abuso da máquina judicial.

Para além disso, é preciso entender que nem sempre a solução de todos os conflitos passa pelo Judiciário. Há meios alternativos, como mediação, conciliação e outras formas de superar controvérsias, que podem ser incentivados por mudanças legais e culturais dos agentes de Justiça.

Por fim, deve-se perceber que as reformas pretendidas não se limitam ao Judiciário, mas ao sistema de Justiça como um todo. Mais que nos magistrados, é preciso pensar no aprimoramento das Defensorias Públicas, na transparência do Ministério Público, na litigância do Executivo, na gestão dos cartórios e no uso de novas tecnologias para garantir o cumprimento das decisões judiciais. É necessário, ainda, valorizar os servidores públicos, como substrato fundamental do sistema de Justiça, em vez de propor a retirada da sua estabilidade, como propalado.

Nesse contexto, iniciativas para aprimorar a prestação jurisdicional não podem ser unilaterais. Em nossas experiências à frente da Secretaria de Reforma do Judiciário envolvemos nos debates associações de magistrados, promotores, advogados, defensores e o Legislativo para buscar, em conjunto e harmonia, soluções possíveis. Não é preciso reinventar rodas, mas organizar as boas iniciativas daqueles que já enfrentam no cotidiano os problemas da prestação jurisdicional.

Enfim, reformar o sistema de Justiça não se limita à eficiência ou à redução de custos. Há questões mais amplas e complexas, cujo enfrentamento exige dedicação, ousadia e capacidade de articulação, sempre pautado pelo respeito irrestrito aos direitos humanos e às garantias fundamentais. Projetos são bem-vindos, mas equívocos de enfoque, palavras vazias ou a repetição de fórmulas trágicas podem aprofundar os problemas. Sabemos onde reside boa parte das boas intenções.

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.

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