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Antes da Lava Jato, Moro levou bronca de ministros do STF e foi chamado de investigador

Antes da Lava Jato, Moro levou bronca de ministros do STF e foi chamado de investigador

Por Felipe Bächtold

Defesa de réu foi à corte para anular sentença, e Celso de Mello criticou conduta de magistrado

Menos de um ano antes de se tornar conhecido nacionalmente como o juiz da Operação Lava Jato, Sergio Moro teve seu comportamento como magistrado longamente debatido por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) em uma sessão hoje vista como uma prévia de julgamento sobre sua atuação à frente dos casos do ex-presidente Lula.

Na ocasião, Moro foi criticado por ministros da corte por iniciativas tomadas na Vara Federal no Paraná e chamado de magistrado “travestido de investigador” por Celso de Mello, que por anos foi o decano do tribunal e uma de suas vozes mais respeitadas.

Isso foi em 2013, após a defesa de um réu no caso Banestado, Rubens Catenacci, recorrer à corte para pedir a anulação de sua condenação afirmando que Moro extrapolou suas funções e não demonstrou a necessária imparcialidade para julgá-lo.

Essa mesma alegação foi feita pela defesa de Lula, em pedido de habeas corpus julgado nesta terça (9) pelo Supremo. A discussão foi interrompida, ainda sem maioria formada, por pedido de vista (mais prazo para análise) do ministro Kassio Nunes Marques.

No caso de 2013, o principal argumento contra Moro era o fato de ter determinado o monitoramento de advogados do réu para efetivar o cumprimento de uma ordem de prisão.

A iniciativa foi considerada gravíssima pelos ministros, que também ressaltaram a sequência de medidas duras adotadas pelo então magistrado contra o acusado. O julgamento de oito anos atrás foi relembrado nesta terça por Gilmar Mendes, presente nas duas ocasiões.

Além do monitoramento, a defesa do réu afirmava em 2013 que Moro havia desrespeitado ordens de outras instâncias ao expedir sucessivos decretos de prisão, tinha retardado a expedição de alvará de soltura após decisão de libertação da segunda instância, interferiu em um incidente ocorrido fora de sua jurisdição e usurpava função do Ministério Público.

Ao longo de 40 minutos, quatro juízes da Segunda Turma do tribunal discutiram como agir em relação às alegações da defesa. O mais enérgico foi Celso de Mello, que acabou sendo o único a votar pela concessão do habeas corpus e a consequente anulação da sentença.

“Não estaríamos validando um comportamento trangressor de prerrogativas básicas?”, disse ele na sessão.

O decano listou convenções internacionais que tratam do direito de acusados serem julgados por um órgão totalmente imparcial e a necessidade de “fair trial” (julgamento justo). Disse que a sequência de medidas de Moro caracterizaria uma ofensa ao princípio do devido processo legal e que, portanto, os atos deveriam ser anulados.

“Se esse vício se mostra presente desde o início, a partir da atuação de um magistrado de primeiro grau, a mim me parece que isso contamina de maneira absoluta e irremediável todo o procedimento judicial.”

O relator do caso tinha sido Eros Grau, ministro que se aposentou em 2010 e que tinha votado contra o pedido da defesa. Um pedido de vista (mais prazo para análise) feito por Gilmar Mendes acabou adiando a definição do caso por três anos.

Ao votar, Gilmar se disse impressionado com as alegações e não minimizou as queixas da defesa, mas as considerou insuficientes para afirmar que o juiz agiu de modo imparcial e deveria ser retirado do caso. Disse que, embora censuráveis, as iniciativas não demonstravam interesse pessoal do magistrado ou inimizade com a parte.

O ministro votou pela rejeição do habeas corpus e, em uma ressalva, defendeu que os autos fossem encaminhados à corregedoria da Justiça Federal e ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para averiguar eventual reprimenda ao magistrado paranaense.

“Não é possível confundir excessos com parcialidade”, afirmou.

Ricardo Lewandowski, hoje um dos principais críticos de Moro na corte, se mostrou em dúvida sobre se alinharia com o posicionamento de Celso ou com o de Gilmar. Disse que o relato da defesa mostrava uma “intensa gravidade dos fatos” e que poderia até ter ocorrido a produção ilegal de provas.

Por fim, prevaleceu a tese de Gilmar, que contou também com o aval do ministro Teori Zavascki, que morreu em 2017. Teori ponderou que, no caso da anulação, seria difícil precisar a partir de qual momento as medidas de Moro deveriam ser invalidadas.

Seis anos depois, em sessão em que o julgamento do pedido de Lula para anulação de sentenças foi retomado, Celso de Mello lembrou do voto proferido anos antes: “Naquele momento fiquei vencido. Entendia, realmente, que tais fatos evidenciavam de maneira muito clara o estado de suspeição daquele juiz e a quebra da necessária imparcialidade”.

Gilmar, nesta terça, disse que o caso anterior à Lava Jato já mostrava uma tática “bastante heterodoxa”: “Os órgãos de controle da magistratura nacional falharam em conter os primeiros arroubos de abusos do magistrado”.

Diferentemente do que ocorreu em 2013, ele votou agora pela concessão do habeas corpus solicitado contra Moro.

O caso Banestado foi um mega esquema de evasão de divisas nos anos 1990 por meio do extinto banco do estado do Paraná.

Hoje é tido como um laboratório da Lava Jato, já que, além de Moro, também teve a participação de procuradores que posteriormente atuariam no escândalo da Petrobras, como Deltan Dallagnol e Carlos Fernando Lima. Outro elo entre as operações é o doleiro Alberto Youssef, pivô da deflagração da Lava Jato, em 2014.

Mais recentemente, em 2020, a atuação de Moro no caso Banestado voltou ao escrutínio do Supremo. Na ocasião, com os votos de dois ministros, Gilmar e Lewandowski, a corte decidiu anular sentença do juiz contra o réu Paulo Roberto Krug.

Gilmar, ao justificar o voto pela anulação, disse que o ex-magistrado atuou como “parceiro do órgão de acusação”.

O julgamento ocorreu já após a saída de Moro do governo Jair Bolsonaro e depois da revelação de conversas do ex-juiz com procuradores no aplicativo Telegram, que indicaram colaboração entre o magistrado da Lava Jato e o Ministério Público.

Rubens Catenacci morreu em 2019. Ele era um dos quatro sócios da casa de câmbio paraguaia Imperial, apontada como emissora de remessas ilegais de dólares à agência do Banestado em Nova York.

A condenação imposta por Moro, de nove anos e oito meses, foi reduzida em segunda instância para menos da metade, em 2012. Antes de ser analisada nas instâncias superiores, a pena foi considerada prescrita, em 2017.

O procedimento contra Moro na corregedoria, que ajudou a evitar a anulação da sentença no caso Banestado, acabou não tendo mais consequências.

Em 2014, o Celso Kipper, vice-corregedor da Justiça Federal da 4ª Região, arquivou esse questionamento. Disse que colegas já haviam analisado as atitudes do juiz em relação a Rubens Catenacci anteriormente e que os debates no Supremo não trouxeram nenhum elemento novo.

No CNJ, o procedimento sobre eventual infração disciplinar também foi arquivado. A então corregedora Nancy Andrighi escreveu em 2014 que não havia fatos novos em relação ao que já tinha sido apurado na Justiça Federal.

Nos autos do processo de Rubens Catenacci, Moro havia afirmado que a defesa tentava com os questionamentos à sua atuação causar intimidação e atingir a sua independência enquanto magistrado.

Escreveu ainda que decretou a prisão preventiva em mais de uma ocasião para proteger um outro acusado que se dizia ameaçado e que haviam surgido novos fundamentos para essas medidas.

Disse também que era exagerado afirmar que retardou a expedição de alvará de soltura. “Nem faria sentido soltá-lo quando se estava decretando nova preventiva.”

Também afirmou que o réu se refugiou em outro país e negou que tivesse qualquer animosidade ou “sentimento pessoal” contra ele.

Em 2020, após a anulação da outra sentença do caso Banestado, o ex-juiz disse que sempre agiu “com imparcialidade, equilíbrio, discrição e ética, como pressupõe a atuação de qualquer magistrado”.

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.

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