O ex-juiz quer reformar aquilo que não conseguiu instrumentalizar: o sistema de justiça
O livro As Loucas Aventuras do Barão de Munchausen foi escrito por Rudolph Erich Raspe. O Barão existiu mesmo.
O Barão era contador de histórias. É possível ir até a lua num pé de feijão? Ou fugir da barriga de uma baleia?
Ninguém sabe bem quem teria inventado tantas mentiras. Tudo isso nos anos 1700.
O maior feito do Barão foi quando, afundado no pântano com seu cavalo, puxou-se a si mesmo pelos cabelos, junto com o cavalo.
Pois o ex-juiz Sérgio Moro, declarado parcial e suspeito pelo Supremo Tribunal Federal (o que significa uma inglória para a função de juiz, algo como um padre ser declarado herege) é uma variante do Barão de Munschausen, o “Barão de Maringschausen”.
Quer puxar-se pelos próprios cabelos e saltar do pântano com seu cavalo e apresentar a todos o seu paradoxo: Quer reformar aquilo que não conseguiu instrumentalizar: o sistema de justiça.
Nosso Barão quer chegar à presidência da República subindo em um pé de feijão, isto é, subindo na bandeira do combate à corrupção e da – e isso é mais recente – reforma do Judiciário.
Sim, a nova ideia do “Barão de Maringschausen” não é só combater a corrupção; diz ele que com esse judiciário aí não dá. Logo, tem de reformar.
Para isso, sobe numa bala de canhão, como o Barão original, e já começa a formar equipe para essa reforma.
Interessante a sua ideia . Primeiro ele desmoraliza as instituições, quando pede para sair do judiciário, onde julgou processos do candidato que era líder das pesquisas de 2018 e o prendeu injustamente por quase 600 dias, e foi trabalhar nas hostes do presidente que beneficiou com suas ações como juiz.
Difícil de entender? Simples: é como se um juiz de futebol dias antes do jogo final de um importante campeonato comesse um churrasco com o diretor do clube “P. Guedes” (p. 122, Livro de Moro) e apitasse o jogo, prendesse o goleiro, comemorasse o gol com o vencedor e, no dia seguinte, fosse fazer parte da diretoria do time que ganhou.
Enquanto isso, já ele tendo abandonado o time vencedor (quando foi trabalhar para uma empresa encarregada de recuperar as contas – na nossa metáfora ludopédica – de um time por ele rebaixado, “E. C. Odebrecht”), a Suprema Corte decreta a nulidade de seus processos, reconhecendo que o “Barão de Maringschausen” foi parcial.
A questão que se põe é: por qual razão esse ex-juiz teria legitimidade para falar em reforma do judiciário? Manchou e envergonhou a toga e agora quer reformar o sistema? Isso é absolutamente suspeito (ups, de novo), porque dá a entender que ele não aceitou o resultado do julgamento que o considerou suspeito. Ele quer outro judiciário. Quer fazer uma reforma.
Dá para imaginar como será esse modelo, mormente porque ele esteve à frente das Dez Medidas contra a Impunidade, entre as quais propunha a prova ilícita de boa fé e o fim do habeas corpus.
Aqui, abre-se uma janela. Se a proposta tivesse vingado, ele e os “filhos de Januário” estariam, agora, jogando dama… no xadrez!!!
O que o nosso Barão proporá? Atirar o réu na água com grandes pedras amarradas ao pescoço?
O ex-juiz parece o sujeito que critica a feijoada degustando uma feijoada. O calvo vendendo creme para nascer cabelos.
Parece que o Brasil precisa, mesmo, de uma versão tupiniquim de iluminismo – um esclarecimento – pelo qual suas façanhas sejam contadas à população. Dele e de seus fiéis escudeiros da Força-Tarefa – da qual muitos membros, a exemplo do Barão, abandonaram o campo jurídico para tentar a sorte na política.
Exato. Na arena da atividade que tanto criminalizaram…
No Brasil, tínhamos o Barão do Itararé, esse sim combatente contra o autoritarismo e a censura. “Entre sem bater”, constava na porta de sua redação.
Mas a melhor dele foi “de onde menos se espera, dali mesmo é que não sai nada”. Feita sob encomenda para o outro Barão. O de Maringá…
Obs: nos últimos dias, Sérgio Moro ofendeu o Grupo Prerrogativas nas páginas desta mesma revista, em entrevista encartada na última edição.
Compreensível, já que somos defensores de tudo o que ele mais odeia: da liberdade de imprensa, do devido processo legal, da paridade de armas, da presunção de inocência e dos princípios do juíz natural e da imparcialidade.
Defendemos, desde sempre, o Estado de Direito e a Democracia em nosso país.
Nunca nos escondemos na conveniência do silêncio.
Denunciamos, desde o início, os desmandos cometidos pela chamada Força tarefa da Lava jato, que deixaram no país, segundo pesquisa do respeitado instituto DIEESE, um rastro perverso de destruição e miséria ( quase 5 milhões de desempregados, 172 bilhões de prejuízos financeiros estimados e a triste desestruturação de diversos setores da indústria nacional).
Denunciamos, desde sempre, a instrumentalização do nosso sistema de justiça e o ativismo judicial.
Alertamos os nossos pares e a sociedade para os perigos da judicialização da política e da politização do judiciário.
E não deixamos de falar a respeito dos falsos heróis construídos com o apoio de parte da imprensa para combater inimigos de ocasião.
Estamos preparados para debater com Sérgio Moro e com seus asseclas sobre qualquer que seja o tema.
E em especial sobre o nosso sistema de justiça…
O convite público que fizemos, nesta exata perspectiva, não foi aceito.
O que revela , além das já conhecidas faltas de caráter e de qualificação técnica do ex-juiz, a sua falta de coragem e de espírito público.
Moro, com o cinismo que lhe é característico, nos atribuiu um chefe…
Talvez por estar sempre a serviço de alguém, nos mediu com sua régua…
E é exatamente por esta régua que deveria analisar as condições de sua vergonhosa atuação nas diversas funções que abraçou…
Especialmente na condição de “consultor”…
E sobre esta mesma condição, o ex-juiz e agora candidato tem muito o que explicar…
Talvez ainda não tenha se dado conta , mas Moro não poderá mais contar com a proteção da toga para fugir dos debates e para eliminar adversários.
Na “planície”, a vida será dura…
E nós, do Grupo Prerrogativas, seguiremos na resistência, dispostos a impedir que se esqueça o que Moro fez nos verões passados…
Artigo publicado originalmente na Revista Veja.
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