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Bolsonaro pode criar novo programa social nesta altura do campeonato?

Bolsonaro pode criar novo programa social nesta altura do campeonato?

Por Hélio Freitas Carvalho da Silveira, Marcelo Santiago de Padua Andrade, Marco Antonio Riechelmann Júnior e Lucas Bortolozzo Clemente

O Presidente Jair Bolsonaro encaminhou ao Congresso Nacional a MP 1.061/2021, que institui os programas Auxílio Brasil e Alimenta Brasil, com o declarado intuito de ampliar seus níveis de popularidade através de políticas assistenciais. E na mesma oportunidade apresentou PEC com um programa de parcelamento de pagamento aos precatórios federais previstos para 2022.

Convém, no entanto, ficarmos atentos ao quanto disposto na legislação vigente.

A pandemia da Covid-19 atingiu gravemente a população brasileira, mergulhando o país em sua maior tragédia sanitária em número de mortes, contaminações e hospitalizações. Atualmente, as mais de 560 mil vidas ceifadas são o triste símbolo de um reiterado descaso com a população brasileira, agravadas pela falta de conjunção das políticas de enfrentamento entre o Governo Federal, Estados e Municípios que impediu uma ação nacional coordenada, devido especialmente ao negacionismo do Sr. Jair Bolsonaro.

A retórica falaciosa da defesa do emprego e da renda em detrimento da vida serviu apenas de instrumento para que medidas mais efetivas de contenção do contágio não pudessem ser efetivadas quando se descobriam os primeiros casos no Brasil. O próprio STF teve de repisar o óbvio no bojo da ADI 6.341/DF, de relatoria do então Ministro Marco Aurélio, ao assentar a competência concorrente entre os entes federados para executar medidas sanitárias e ações de vigilância epidemiológica. Sem um plano de ação para evitar as mortes e apostando no disparatado “tratamento precoce” e na famigerada “imunidade de rebanho”, o Governo Federal viu seus níveis de aprovação despencarem.

Antevendo o grande baque na economia brasileira, especialistas de diversas colorações partidárias defenderam a necessidade de um programa de transferência de renda que evitasse o aprofundamento da crise e desse condições de subsistência aos brasileiros que perderam seus empregos. No entanto, o governo federal, em um primeiro momento decidiu conceder um auxílio considerado insuficiente para garantir um mínimo de subsistência para a população mais carente e coube ao Congresso Nacional alterá-lo e ajustar seus valores.

Com o fim do programa no início deste ano e sem a previsão de sua continuidade, mas devido ao agravamento da pandemia, o Governo Federal retomou o programa de pagamento do auxílio assistencial, mas em valores inferiores aos pagamentos de 2020.

Essas circunstâncias impactaram negativamente a popularidade do Presidente da República em 2021.

Para recuperar os índices de aprovação do governo e entrar em 2022 com número de popularidade mais confortáveis para enfrentar a reeleição, Jair Bolsonaro oferece agora novos programas sociais de transferência de renda.

Contudo, a legislação eleitoral prevê uma série de restrições aos agentes públicos em momentos próximos ao período eleitoral, de forma a impedir o uso da máquina pública para desequilibrar a competição eleitoral.  As chamadas condutas vedadas são garantias de que o Poder Público não será utilizado para favorecer ou prejudicar os concorrentes do pleito, em respeito aos princípios inseridos no art. 37, caput, da Constituição da República. No rol previsto pelo art. 73 da Lei nº 9.504/97, temos o §10º:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…)

  • 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa

O conteúdo do dispositivo não visa a impedir a efetivação de política assistencial pela Administração Pública, mas busca obstar o caráter eleitoreiro e o desvio de finalidade dos programas assistenciais. Assim sendo, devem atender aos requisitos de (i) autorização legal para a criação do programa e (ii) estar em execução orçamentária no exercício anterior ao ano das eleições. O TSE, por vezes, já reafirmou esta posição[1]. Ainda, a jurisprudência consolidada determina que a responsabilização por esta conduta vedada “prescinde da condição de candidato, bastando que o autor do ato seja agente público[2].

Para que possa escapar das restrições legais, os aludidos programas Auxílio Brasil e Alimenta Brasil já deveriam estar em execução orçamentaria neste ano. Isto é, suas rubricas deveriam estar previstas na Lei Orçamentária Anual para o exercício de 2021, uma vez que “a instituição de programa social mediante decreto, ou por meio de lei, mas sem execução orçamentária no ano anterior ao ano eleitoral não atende à ressalva prevista no art. 73, §10, da Lei nº 9.504/97[3].

Ocorre que o Governo Federal não previu a continuidade do benefício para este ano, acreditando, por certo, que a pandemia estava no “finzinho[4]. O Presidente da República não planejou os recursos no tempo adequado e não previu o aumento de gastos. Agora, sentindo-se acuado pelo crescimento de seus adversários nas pesquisas, tenta fazer malabarismos com as contas públicas, adiando pagamento dos precatórios da União para suprir o novo programa de nítido caráter eleitoreiro.

Para além do conflito com a lei eleitoral, há pontos que não ficam claros à luz da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00). Como estabelece o art. 17 da norma, tem caráter continuado as despesas correntes derivadas de leis ou medidas provisórias que fixam sua execução por mais de dois anos. Ora, o programa anunciado busca substituir o Bolsa Família – programa de caráter permanente – afirmando que seu custeio virá do calote nos precatórios federais. Em uma primeira análise, não há previsão de receita originária para o custeio da despesa gerada, o que reforça a falta de planejamento e a excepcionalidade da medida em véspera de eleição.

A comparação feita pelo Ministro da Fazenda Paulo Guedes[5] entre as políticas sociais que o atual governo pretende instituir com aquelas que foram realizadas em períodos anteriores não se sustentam. O Programa Bolsa Família foi instituído pela MP 132, de 20 de outubro de 2003 e convertido em lei no ano seguinte (Lei nº 10.836/04). Ou seja, foi criada logo no primeiro ano do mandato do ex-Presidente Lula.

Por fim, é preciso deixar claro o quanto as políticas de transferência de renda têm essencial importância para um país com abissais desigualdades sociais como o Brasil.

Defendemos a implementação de benefícios sociais efetivos e que combatam a grave desigualdade social em nosso país, a qual foi agravada fortemente pelos impactos da pandemia. No entanto, é preciso que tais políticas estejam em conformidade com a lei eleitoral. Assim, é necessário que a saída para esta situação seja fruto de uma ação do Estado Brasileiro, em diálogo institucional com o Congresso Nacional, Poder Judiciário e Ministério Público e não uma solução personificada na figura de Jair Bolsonaro, evitando-se assim a contaminação do processo eleitoral vindouro.


[1] Os precedentes são inúmeros, mas de forma exemplificativa citamos: Agravo de Instrumento nº 1159, Rel. designado Min. TARCÍSIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, p. 20/10/2020; Agravo de Instrumento nº 24771, Rel. Min. EDSON FACHIN, p. 20/09/2019; Recurso Especial Eleitoral nº 999897614, Rel. Min. GILMAR MENDES, p. 21/03/2017; Recurso Ordinário nº 149655, Rel. Min. ARNALDO VERSIANI, p. 24/02/2012.

[2] Agravo de Instrumento nº 5747, Rel. Min. EDSON FACHIN, p. 07/02/2020.

[3] Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 36026, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, p. 05/05/2011.

[4] Conforme seu pronunciamento em 10 de dezembro de 2020, no lançamento do eixo principal da Nova Ponte do Guaíba, em Porto Alegre/RS. Fonte: .

[5] Fonte:

Artigo publicado originalmente em O Estado de S. Paulo.

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