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Corpo “físico” de juiz ofende colega e advogado. Mas não foi ele…!

Corpo “físico” de juiz ofende colega e advogado. Mas não foi ele…!

“Canalha”, disse o juiz ao seu colega magistrado: e o advogado ele xingou de “paquita de bandido”. Eis a historinha.

Em 1495 (durante o reinado de Henrique 7º, da Inglaterra) foi criada a ficção dos dois corpos do rei, um modo para resolver o problema do corpo natural do rei e sua “divindade” (ou seu corpo imaterial). O livro de Ernst Kantorowicz trata disso.

O auge dessa aplicação se deu quando o Parlamento inglês recorreu a essa ficção (1642) para conjurar, em nome e por meio da autoridade de Carlos 1º (corpo político-divino-imaterial do rei), os exércitos que iriam combater o mesmo Carlos 1º (corpo natural e material do rei). Fantástico, não?

Mais ou menos como acontece no Brasil. Um general dá uma declaração (por exemplo, a favor do AI-5), mas diz que está falando no seu outro corpo, o civil. Ah, bom. Foi seu corpo físico, não o “espiritual”. Pelé também tem dois corpos: ele e o Edson.

Vejam o que aconteceu semana passada. Um juiz de São Paulo chamou um colega seu de canalha e, ato contínuo, esculhambou com um advogado, chamando-o de “paquita de bandido”. Mas, calma. Não foi ele, o juiz. Como assim, então?

Explicarei. Contestado pelos ofendidos (e põe ofensa nisso), o juiz disse que falara não como juiz, mas como cidadão. Ah, bom. Resolvido. Engraçado.

Isso é um bom argumento. O sujeito comete um desfalque na empresa. Em sua defesa, diz: não fui eu pessoa física, corpo físico; foi meu corpo espiritual, minha PJ. Afinal, pejotização está na moda. Eis aí uma boa tese, advogados criminais.

Outro modo do sujeito se safar, para além da “tese dos dois corpos do rei”, é do pedido sincero de desculpas. Moro cometeu o crime previsto na legislação por ter vazado conversas telefônicas. Na sequência, escreveu uma carta de 32 laudas. Pedindo escusas. Pronto. Ou é a tese dos dois corpos ou um pedido de desculpas…

Mas tem mais. Outra desculpa quando se ofende a um ministro do STF ou alguma autoridade é “tomo remédio”. “Ah, naquele dia estava deprimido e gravei o vídeo.” Chorar também é uma saída, tipo Sérgio Reis.

Também se pode dizer “tenho problemas com minha mãe”. Mas com ar triste. Acabado. Sinceramente arrependido. Como o deputado Daniel Silveira.

Esse caso do “canalha” e do “paquita de bandido” é emblemático. Quem ofendeu o juiz e o advogado não foi o corpo espiritual (juiz); foi o corpo terreno. De todo modo, ele também pediu desculpas… É o plano B.

Pois é. Em 1642, os Lordes decidiram que o corpo político do rei devia ser retido no e pelo Parlamento, enquanto o corpo natural era colocado “no gelo”.

Eis aí uma ideia para os brasileiros que fazem o uso dos dois corpos (generais, políticos, juízes, presidentes…).

Artigo publicado originalmente no Consultor Jurídico.

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