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Em ano eleitoral, falemos do Presidencialismo

Em ano eleitoral, falemos do Presidencialismo

Nesta última quarta, 1 de junho, tive a felicidade de participar como conferencista a convite do NEPEDI – Núcleo de Pesquisas em Direito Internacional- da Universidade Estadual de Rio de Janeiro – UERJ- em evento que apresentou os resultados de um mapeamento político -eleitoral da América Latina. 

O Núcleo realiza, junto a universidades da irmã República de Argentina como a Universidad Nacional Villa Maria, uma pesquisa extremamente relevante, que nesta oportunidade destacou o sistema de governo presidencialista. Assim que decidi contribuir com um texto que oferecesse uma visão do Constitucionalismo Latino-americano, o Estado de Direito e as responsabilidades presidenciais. 

De fato, uma das questões que sempre me parece importante destacar de forma liminar quando são realizadas pesquisas no nosso cenário regional, é o ponto de partida do pesquisador e a maneira como deve ser abordada a análise de fontes. Existe, como já tem sido exposto por autores como Daniel Bonilla, uma “geopolítica do conhecimento jurídico”, na qual somos observados, a maior parte das vezes, como “colonizados”, incapazes de produzir algo autêntico que ao mesmo tempo tenha valor jurídico e seja considerado uma contribuição à cultura jurídica universal. Nessa ótica estamos sempre condenados a cumprir o papel de consumidores de conhecimento produzido pela metrópole, especialmente pelos estudos e informações oriundas de países centrais.

Sob essa perspectiva me parece que também reflete Boaventura de Souza Santos quando apresenta e desenvolve sua proposta sobre a “epistemologia do Sul”, com o intuito de reconhecer, validar e avançar no conhecimento produzido e elaborado a partir das experiências desta região do mundo a partir da luta social, dos movimentos que buscam e reivindicam, com toda legitimidade, direitos continuamente negados. Não há como esquecer que o Direito é também uma experiência, isto é, a experiencia jurídica ou mais detalhadamente, o conjunto de práticas de grupos humanos para determinar o que deve ser considerado proibido, permitido ou obrigatório em tempo e espaço, conforme valores e fins, como a dignidade, a liberdade, a igualdade, a democracia e em geral, todo o referente aos direitos fundamentais.

Sempre me parece que é com estas premissas que podemos avaliar a forma como funcionam aqueles institutos jurídicos e formas de organização política, construídos e edificadas para ser instrumento que permitam viabilizar a efetividade social daqueles valores, assegurando ainda que a paz, o desenvolvimento e a distribuição justa da riqueza social sejam conquistados. Por isso na análise do presidencialismo como sistema de governo e especialmente porque no Estado Social o Executivo, encabeçado pela Presidência da República, adquire um papel central, é pertinente contar com elas como critérios essenciais.  

É claro que uma questão mais do que relevante na análise é a maneira como as constituições determinam as competências presidenciais. Na Constituição de 1988, por exemplo, o presidente, na qualidade de chefe de Estado e chefe de governo, tem faculdades que decorrem desse bifrontismo inerente ao presidencialismo, como a chefia das Forças Armadas ou as atividades de relacionamento internacional, ou ainda, a chefia da Administração Pública Federal.

Entretanto, na Constituição brasileira de 1988 ao presidente também lhe são encomendadas outras tantas funções, que nem sempre estão necessariamente ligadas a essas qualidades iniciais. Vou expor algumas, deixando para outra oportunidade e talvez a juízo daquele que acompanhe o nosso raciocínio, a verificação de se, por extensão ou por ventura, pode se afirmar ao final que tal o qual faculdade decorre, por assim dizer “naturalmente”, do presidencialismo ou se estamos diante de uma criatura que especialmente quando despreparada ou mal intencionada, em virtude de tamanhas atribuições, pode ocasionar um efeito bastante indesejável na estrutura do Estado e ainda, na negação dos valores e fins constitucionais.   

Por exemplo, no constitucionalismo brasileiro o presidente pode: editar medidas provisórias, conforme o artigo 62; decretar a intervenção federal, nos termos do artigo 34 § 1º, 2º e 3º da Carta; sancionar ou vetar os projetos de lei relacionados às atribuições do Congresso previstas no artigo 48 da Constituição; convocar extraordinariamente ao Congresso Nacional, conforme o artigo 57, § 6º, II; propor projetos de emenda constitucional, faculdade do artigo 60, II; utilizar iniciativa geral e reservada, artigo 61, caput  e § 1º e até pedir tramitação de urgência; elaborar leis delegadas solicitando autorização ao Congresso, conforme o artigo 68; nomear 1/3 dos Ministros do Tribunal de Contas, no artigo 73, § 2º, I; nomear os Ministros do STF, conforme artigo 84, XIV; nomear o Advogado Geral da União, artigo 131, § 1º; nomear ao Procurador Geral da República, conforme o artigo 128,§ 1, além de ter iniciativa para propor sua destituição, nos termos do § 2º do mesmo artigo; nomear os Ministros do Superior Tribunal de Justiça, artigo 104, § único; nomear os juízes dos Tribunais Regionais Federais,  conforme o artigo 107; nomear os Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, nos termos do artigo 111-A; nomear juízes para o Tribunal Superior Eleitoral, conforme o 118, II; nomear os ministros do Superior Tribunal Militar, conforme o 123; ajustar as proposta orçamentária do Ministério Público, como determinado no artigo 127, § 5º; decretar estado de defesa e estado de sitio, conforme os artigos 136 e 137, com os limites expostos em tais dispositivos; determinar ou não a extradição de um estrangeiro, conforme o artigo 5º, LI, em aplicação do sistema belga adotado pelo Brasil; conceder indultos e comutar penas, conforme o artigo 84, XIII; apresenta o plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentária e a lei orçamentária anual, como diz o artigo 165 da Carta e enviar mensagem ao Congresso propondo modificação dos projetos, nos termos do 166, § 5º; decretar a declaração de interesse social de imóvel para fins de reforma agrária, como consignado no 184, § 2º.

Além dessas atribuições, como decorrência do desenvolvimento infraconstitucional o presidente tem outras tantas atribuições, como a nomeação, por exemplo, do presidente do Banco Central, nos termos da Lei Complementar 179 de 2021; a nomeação dos reitores das Universidades federais, conforme a Lei 9192 de 1995, dentre outras indicações e nomeações.

Se prestamos atenção ao chamado presidencialismo de coalizão, na advertência de S. Abranches, as competências do Congresso no artigo 49 podem ser diretamente afetadas pela influência presidencial. Ou seja, imaginemos qual a possibilidade real de um Congresso, de maioria da bancada do Executivo conformada por partidos aliados, com a possibilidade de aglutinar e mobilizar interesses que tem o presidente, de realizar sem interferências as competências que levam o adjetivo de “exclusivas”. Alguém pode dizer que se trata de “freios e contrapesos”, ao que poderíamos responder, “precisamente porque se trata de freios e contrapesos”, é que devemos prestar atenção ao comportamento do Executivo com relação aos outros órgãos e a uma constatação que deve ser melhor, analisada e que se adverte em decisão do STF.

Com efeito, no MS 27931/DF, Rel, Ministro Celso de Mello, se demonstra que entre 1988 e o 2006 a média de sucesso dos projetos de lei enviados pelo Executivo ao Legislativo foi de 75,8% e 83,3% concluindo-se que o controle da agenda do Congresso é do Executivo, é dizer, o real legislador do país é o Executivo, até pelo apoio sistemático, especialmente, de uma bancada disciplinada.

Questões, por supuesto, para refletir em ano eleitoral, no qual o Brasil decide como serão os próximos quatro anos, porque enquanto um presidente simula e expressa que trabalha “nas quatro linhas da Constituição”, essas quatro linhas, rigorosamente, são já extremamente amplias. Mais preocupante ainda observar o costumeiro mal uso das atribuições constitucionais acompanhado das ameaças à democracia.  Assim que o que se espera é um mandatário com capacidade para dirigir a máquina, consciente de seu papel e competências, para que usadas com razoabilidade, prestigie os fins e valores que tanto tem sido atacados neste último tempo. 

Artigo publicado originalmente no Empório do Direito.

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