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Lula 3.0 prevê escolha de PGR com ‘menos ingenuidade e mais malícia’

Lula 3.0 prevê escolha de PGR com ‘menos ingenuidade e mais malícia’

Por Thiago Herdy

O caminho até as eleições de outubro de 2022 é distante, mas os 46% do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em um eventual primeiro turno das eleições presidenciais, atestado pela última pesquisa Datafolha, consolidam sua presença nas urnas.

O que esperar diante de uma hipótese de retorno da esquerda ao poder? Quais seriam as políticas e prioridades de um governo pós-Lava Jato e pós-Bolsonaro? Como se comportaria Lula em sua versão 3.0?

Para responder às perguntas, a reportagem ouviu nove formuladores do entorno do ex-presidente, de diferentes áreas de atuação, sob o compromisso de não terem seus nomes revelados.

Uma ressalva do colunista: não se trata de texto destinado a prever o futuro ou fazer campanha por qualquer candidato. Busca-se apenas revelar o que está hoje na cabeça de quem estará com Lula no Planalto ou em suas conversas daqui a um ano e meio, caso ele vença as eleições.

Algumas ressalvas das fontes consultadas:

  1. Um programa de governo ainda será construído;
  2. Lula é o maior formulador de suas políticas;
  3. É preciso ter em mente a lembrança de 1994, quando pesquisas davam como certa a vitória do petista a poucos meses do pleito, mas veio o Plano Real e redesenhou este capítulo da história.

Governo ornitorrinco

Após o reestabelecimento do mundo político afetado pela Lava Jato e a revisão de seus processos judiciais, Lula abandonou o discurso radical para assumir “postura de estadista” que mira o centro.

Um de seus interlocutores lembra ser fato recorrente na trajetória do ex-presidente aparecer com novas roupagens ao longo do tempo. É como um “passarinho mudando de pena”, em sua comparação.

Os movimentos recentes do petista miram o centro e a construção de uma frente ampla, cujo raio ainda dependerá da correlação de forças até os meses que antecedem as eleições. Até lá, sua intenção é falar com “todo mundo”, de acordo com outro aliado.

Haverá estabilidade para uma disputa nos mesmos moldes dos pleitos recentes, sob Nova República? Ou o presidente Jair Bolsonaro radicalizará a ponto de estimular uma candidatura com promessa de governo de união nacional?

Nesta segunda hipótese, em caso de vitória da oposição, o que virá será um “governo ornitorrinco”, expressão usada por um de seus aliados para se referir à complexidade de valores e demandas de eventual gestão eleita para comportar (quase) todos, lembrando a imagem do mamífero que tem bico de pato e põe ovos.

Combate ao racismo

Independentemente do que está por vir, uma coisa é certa: em eventual governo Lula, temas da pasta de Direito e Justiça passarão necessariamente por um olhar interseccional para o combate ao racismo, palavra de ordem da campanha e também em eventual administração.

O óbvio é também o mais relevante: as bandeiras do combate às desigualdades social e de gênero voltam à pauta.

O que não seria tão óbvio é o olhar para os órgãos de Justiça. Independência e autonomia do Ministério Público e do Judiciário são classificados como importante no discurso, mas haverá uma ação para que conselhos de fiscalização e controle seja mais ativos, de acordo com um interlocutor, numa referência ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e e ao CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).

A mesma regra se aplica às indicações em tribunais superiores e da própria chefia do Ministério Público, vista agora “com menos ingenuidade e mais malícia”, nas palavras de um aliado.

Há expectativa de respeito à lista tríplice preparada pela categoria, mas sem compromisso com a nomeação do primeiro colocado nesta votação interna, como ocorreu nos anos das gestões petistas.

Alianças eleitorais

Se antes a ordem no PT era garantir candidatura própria em todos os estados e buscar alianças no segundo turno, agora a dinâmica se inverteu.

A promessa é de mais alianças, a exemplo da que já se desenhou em torno da candidatura de Marcelo Freixo (PSB) ao governo, no Rio de Janeiro, que provavelmente será apoiada pelo PT.

Lidar com uma “ultradireita que ganhou corpo social, sustentada por evangélicos, milicianos e policiais”, nas palavras de um aliado, está na ordem do dia de um eventual governo, que certamente faria gestos em direção a parte do eleitorado de Bolsonaro, e não necessariamente aquela mais radical.

Um exemplo citado é o do presidente dos Estados Unidos Joe Biden, que vem buscando viabilizar seu governo atraindo parte dos eleitores de Donald Trump.

Um civil no Ministério da Defesa

Lula gosta de repetir que ao deixar a prisão, a prisão saiu dele. Isso significa uma promessa de não retaliar a PF (Polícia Federal) pelas circunstâncias que o levaram à carceragem, apesar de relatar alguma mágoa pelo período.

No campo militar, o petista repete à exaustão considerar-se o presidente que mais atendeu à categoria. Ele deixa as razões de insatisfação para o colo da ex-presidente Dilma Rousseff, responsável pela nomeação da Comissão Nacional da Verdade, que entre 2011 e 2014 passou a limpo os crimes cometidos por representantes do governo durante a ditadura (1964-1985).

O reencontro recente de Lula com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mediado por Nelson Jobim, interlocutor da caserna, não deixou de ser um aceno à busca de diálogo com militares.

Estão descartadas iniciativas de revisão de crimes do período da ditadura, mas alguma atuação no campo de formação militar é considerada.

Os 6,1 mil cargos civis ocupados por militares no governo Bolsonaro não serão esvaziados, também, de supetão. A ideia é uma ação conta-gotas.

O que é praticamente certo: o retorno do comando do Ministério da Defesa a uma autoridade civil, assim como ocorreu em suas duas gestões (2003-2010), quando foram ministros José Viegas, José Alencar, Waldir Pires e Nelson Jobim.

Inflação controlada

Na economia, repete-se o compromisso em manter a inflação controlada, tendo em vista o encarecimento do custo de vida para o trabalhador nos últimos meses. E a vontade de testar novos arranjos que permitam dar conta dos objetivos de política, econômica, não necessariamente o modelo do tripé macroeconômico que combina câmbio flutuante com meta de inflação e meta fiscal.

A taxação de lucros e dividendos dos mais ricos, proposta pelo atual ministro Paulo Guedes, ainda está presente na pauta, embora pouco se tenha feito em relação a esta temática quando o poder estava nas mãos, nos anos Lula e Dilma.

O ex-candidato à Presidência Fernando Haddad é o provável candidato do PT ao governo de São Paulo. Mas em caso de derrota, interlocutores o apontam como nome certo para eventual governo federal, em surpreendente função: longe do Ministério da Educação e mais próximo do Ministério da Fazenda.

Um formulador da área econômica diz que Haddad seria “excelente nome” para fazer o debate econômico, em função de sua capacidade “dialogar com todo mundo”. Outro interlocutor lembra que, cada vez mais, ele tem se “habilitado para falar sobre este tema”. Embora mais reconhecido por sua trajetória no campo da educação, Haddad tem mestrado em economia.

Foco na “uberização”

A atenção também está voltada para o papel do Estado diante da chamada “uberização” das condições de trabalho de milhares de trabalhadores que prestam serviços a plataformas digitais. Apesar da reforma trabalhista recente, ainda não há regulação para atuação daqueles que estão na fronteira entre a celetização e o mercado informal.

A ideia é tirar a invisibilidade desses grupos, em busca de resultados semelhantes aos obtidos em 2013 pela aprovação da PEC das Domésticas, considerada grande avanço no reconhecimento de direitos da classe.

O mundo pós-China

O contexto geopolítico mundial em 2022 é bem diferente de 20 anos atrás, quando Lula chegou pela primeira vez ao Planalto.

A política externa não mais se divide entre a atenção às relações com os Estados Unidos e à multipolaridade (esta segunda, a opção prioritária dos anos petistas no poder).

A contra-hegemonia chinesa é nova peça no xadrez, e o entorno do petista segue contra a ideia de se submeter a qualquer hegemonia, seja dos EUA, China, Rússia ou União Europeia.

A palavra de ordem é retomar o trabalho pela cooperação internacional e pela busca de soluções pacíficas no campo dos organismos internacionais. Voltar a demonstrar interesse “profundo e real” pelas relações com os países africanos, de modo que não se confunda com oportunismo, está na agenda.

Na área de direitos humanos, uma revisão de casos de casos na Comissão de Mortos e Desaparecidos, recentemente tomada por críticos das políticas de reparação dos anos de chumbo, é dada como certa.

Debates e documentos produzidos recentemente pela Fundação Perseu Abramo, que promove o diálogo dentro do PT e intra-instituições; e pelo Instituto Lula, que busca hoje diálogo mais arejado, para fora das instâncias partidárias, serão considerados.

Sentimento recorrente entre quase todos os interlocutores ouvidos é o “desalento” em relação às escolhas do atual governo. Petistas estimam entre dois e três anos de trabalho para reverter políticas. Este seria o tempo para “voltar à estaca zero”, na visão de um interlocutor.

Artigo publicado originalmente no UOL.

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