Por Cristiano Zanin e Valeska Martins
Com enorme satisfação, no dia 27 de abril recebemos do Comitê de Direitos Humanos da ONU a decisão que pôs fim ao processo que iniciamos em 28 de julho de 2016 em favor do ex-presidente Lula. O Comitê da ONU acolheu integralmente os fundamentos que apresentamos, decidindo que houve violações grosseiras a direitos fundamentais de Lula em relação à presunção de inocência, ao processo justo, à privacidade e à indevida privação de seus direitos políticos. Reconheceu, por consequência, que houve violação aos artigos 9, 11, 14 e 25 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU, a que o Brasil aderiu em 1992 (Decreto 592/1992).
Essa decisão histórica, lançada no primeiro comunicado apresentado ao Comitê da ONU por um cidadão brasileiro, foi tomada por um órgão colegiado composto de 18 peritos independentes, das mais diversas nacionalidades, 15 dos quais votaram favoravelmente aos fundamentos que apresentamos na peça inicial e nas sucessivas atualizações que fizemos entre 2016 e 2021. Pesaram, para o posicionamento final da ONU, a condução coercitiva ilegal autorizada contra Lula, a interceptação de suas ligações, das ligações de seus familiares e colaboradores e até mesmo as nossas — de seus advogados constituídos —, a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro e o fato de o ex-presidente ter sido impedido, indevidamente, de concorrer nas eleições de 2018, contrariando uma liminar emitida pelo mesmo Comitê naquele ano.
O desfecho do processo da ONU é paradigmático. A Corte Mundial de Direitos Humanos reafirmou que o combate à corrupção é necessário, mas, para que seja válido e eficaz, os Estados devem observar o devido processo legal e assegurar um processo justo. Também fica claro, da decisão, que o combate à corrupção não pode servir de pretexto para perseguir pessoas ou empresas. Isso está na centralidade do conceito de lawfare, que propusemos em 2016 e continuamos a desenvolver especialmente por meio do Lawfare Institute.
A conclusão da ONU também reforça as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal que declararam a nulidade dos processos abertos pela Lava-Jato contra Lula e também as decisões tomadas por outras instâncias que absolveram o ex-presidente ou rejeitaram sumariamente as acusações indevidamente apresentadas contra ele por ausência de substrato probatório mínimo.
Para além disso, o processo que ora se encerra na ONU também simboliza e qualifica uma linha de advocacia em que acreditamos, que trabalha de forma multidisciplinar e com apoio técnico das mais variadas áreas do conhecimento, como auditoria, comunicação, psicologia forense.
Esse novo modelo de advocacia mostra a razão por que investigações e processos que tramitavam na Justiça Criminal passaram a ser discutidos no Comitê de Direitos Humanos da ONU e em outras instâncias e foros, fato que, durante alguns anos, gerou perplexidade até mesmo em profissionais do Direito.
Nunca uma decisão de uma Corte mundial veio em tão boa hora para reafirmar o Estado de Direito e, ainda, mostrar que a advocacia atual deve utilizar todos os mecanismos previstos em lei na defesa de seu constituinte e na busca do processo justo.
Artigo publicado originalmente em O Globo.
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