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Moralismo eleitoral na berlinda: O caso Deltan e a crítica que seus acólitos ”acusavam” de ”garantista

Moralismo eleitoral na berlinda: O caso Deltan e a crítica que seus acólitos ”acusavam” de ”garantista
 
Por Ruy Samuel Espíndola
 
Sou crítico, com a régua da constitucionalidade e da convencionalidade, velho e manjado da lei ficha limpa e do seu subproduto ideológico destronador de direitos fundamentais: o fichalimpismo. Antes de sua promulgação em junho de 2010, já em 2009, apontava as suas violências – em conferências, entrevistas, artigos e livros – às garantias da presunção de inocência, ao devido processo legal, à proporcionalidade, à irretroatividade gravosa, aos conceitos jurídicos mais elementares do Direito Eleitoral e às concretizações ótimas dos direitos políticos fundamentais de voto e de candidatura. Gilmar Mendes chegou a dizê-la uma lei redigida por consumidores exagerados de etil…
 
Também, sendo coerente com minhas críticas ao moralismo contra constituitione, fui um crítico de primeira hora e sigo sendo até hoje, sem solução de continuidade, da lava-jato, dos excessos de seus exagerados protagonistas, e do rebento nocivo, que abalou, fundamente, os alicerces liberais e democráticos do Direito Penal em Terra de Santa Cruz: o lavajatismo.
 
Fichalimpismo e lavajatismo têm a mesma origem ideológica: o moralismo corruptor da ordem constitucional, assacador da democracia, criminalizador da política, dos políticos e da própria vontade popular, ao se lastrearem em pródigas cassações de mandatos pela justiça eleitoral, assim como espetaculosas prisões cautelares de políticos meramente acusados em procedimentos investigativos, feitos com a draconiana estrutura estatal que desiguala a defesa de cidadãos que tiveram a pachorra de um dia pensarem em seguir o caminho de cuidar da praça, não mais somente de seu jardim; ao se alimentarem com decisões judiciais calcadas sobre presunções sem respaldo na lei, de indícios e não provas, e mesmo delações premiadas obtidas com a tortura psicológica de opressos e amedrontados delatores, que ansiavam por respirar liberdade até a exaustão dos pulmões…
 
O moralismo, fichalimpista e lavajatista, simplifica o complexo da experiência e da diversidade humana, dividindo o mundo, arbitrariamente, entre bons e maus, entre mal e bem, numa doutrina messiânica que lembra a euforia fundamentalista das cruzadas, das inquisições que levaram à fogueira milhares de pessoas que pensaram fora “da caixinha” convencionada por quem, com sua terrificante moral, desejava impô-la aos demais, sem qualquer oposição ou discussão… 
 
Um moralismo ao mesmo tempo hipócrita e jacobino; dual, simplista e emotivo, pois não resiste à razão, ao contraditório e à reflexão pública; que, pela sua emotividade e irrazão, se alimenta nos vícios do fascismo: o desprezo pelo poder institucional, pelos partidos, pelos políticos, pelo voto, pela ágora democrática, pelos valores liberais, pela razão, pela arte, pela ciência, pela intelectualidade e pelas instituições encarregadas de estruturar a ordem constitucional que sustenta o pluralismo e a diversidade, o dissenso público e o debate judicial fundados sobre um sistema de direitos fundamentais escorado numa Constituição livre e soberana, que dialoga com o patrimônio civilizatório cristalizado em inúmeros Tratados internacionais de Direitos Humanos.
 
Moralismo que não quis reconhecer que as alíneas “q” e “g”, do inciso I, do artigo 1º, da Lei de inelegibilidades, era inconvencional, pois violaria dispositivos do Pacto de São José da Costa Rica, 23.2, que exigem, para positivar-se inelegibilidades, decisões fruto de processos penais/processos criminais, e não processos administrativos, sejam esses de julgamento de contas públicas, sejam processos disciplinares – as alíneas que sustentaram a impugnação do registro de candidatura, junto ao TRE/PR, do ex-procurador da República e deputado federal com registro indeferido pelo TSE, Deltan Martinazo Dallagnol, principal protagonista da lava-jato, nas hostes ministeriais.
 
Deltan sempre fora um incisivo defensor da lei ficha limpa e de suas exegeses punitivistas pela justiça eleitoral, sendo coerente com sua sanha e faina no âmbito da lavajato.
 
Eis que o mundo dá suas cambalhotas… e o pau que bate em Chico, bate em Francisco! E o Chico, o Buarque, disse que tem, e temos, no sangue, os passados do açoitador e do açoitado; e o outro admirado Chico, o Xavier, não seria necessário para predizer a Deltan e seus acólitos, que com uma lei tão injusta e inconstitucional, com uma jurisprudência tão punitivista e olvidadora da máxima efetividade do voto e das candidaturas, que vitimou milhares de cidadãos em seus 10 anos de aplicação, puniria também os que um dia açoitaram e estimularam o açoite, ou melhor, um dia do açoitador, outro do açoitado!
 
E assolados de dor, tudo com a mesma regra aplicada a Deltan, com o mesmo rito, com os mesmos conceitos, com as mesmas práticas e exegeses, nesses dez anos, que são milhares de homens e mulheres, dos mais diversos espectros políticos e tendências, se igualam ao sofrerem a incidência da mesma lei e das mesmas jurisprudências, com o aplauso, o estímulo, o discurso de açoitador afoito de Deltan, que agora, se viu surpreendido, e, gemendo, constata: – o chicote é duro, cru e doído, e as costas “dos maus”, na democracia do TSE e do STF, que é a democracia sagrada de todos nós, é igualada às costas “dos bons”: são peles, ossos, músculos e nervos que se contraem sob o açoite de inconstitucionalidades e inconvencionalidades, que foram aplaudidas por quem se comprazia em açoitar, mas nunca havia calçado os chinelos do açoitado…
 
A razão de sua dor, Deltan, compreendemos… Ter o mandato retirado por decisão fundada em lei injusta, abastecida por jurisprudência “ofensiva”, e o “bom” ser igualado ao “mau”, pois a incidência da regra de inelegibilidades não vê coração nem passado; ser considerado “ficha suja” por quem tinha prazer de jactar-se de “incorruptível” (para lembrar Robespierre), é algo que no espelho moral da existência pode fazer estranharmos, senão a nossa própria imagem, nossas escolhas… 
 
Talvez agora os “moralistas” defensores da lei ficha limpa passem a ouvir melhor os “constitucionalistas”, prosélitos da democracia e do estado de direito; talvez as nossas fileiras engrossem, e recebamos “novos cristãos”, que, compreensivelmente, renegarão sua fé anterior com o real medo das práticas e entendimentos constantes do malleus maleficarum do moralismo eleitoral brasileiro, que, ao que parece, agora, tardiamente para alguns, foi posto na berlinda!
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