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Reflexões sobre a transparência do STF e seus impactos

Reflexões sobre a transparência do STF e seus impactos

Por Thássia Alves e Vitor Marchetti 

Supremas Cortes ao redor do mundo, como no Reino Unido e nos EUA, publicizam apenas parte de seus julgamentos

A recente declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a não publicidade dos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ganhou repercussão na imprensa. Questionamentos apontam para uma possível redução da transparência nos julgamentos da corte. Por outro lado, não se ouviu sobre a relação entre maior transparência e aumento da qualidade das decisões dos ministros. A eficácia dos mecanismos de publicidade e os impactos que produzem são ponto de necessária reflexão. A despeito das conclusões, há espaço para que o debate seja provocado.

A literatura aponta que, ao longo do tempo, a presença do Supremo e dos magistrados na mídia e nos meios de comunicação institucional tem aumentado. A dinâmica que envolve a relação entre a imprensa e a opinião pública, de forma geral, constitui um comportamento midiático que merece ser observado. Processos de comunicação institucional são capazes de influenciar como as instituições são percebidas, agem ou reagem e, portanto, importam para o desenho institucional.

Discussões sobre o impacto dos holofotes da TV Justiça no processo decisório não são novas. Tampouco sobre como a população brasileira percebe e reage à presença da instituição nos meios de comunicação, cuja relação é sempre mediada por eles próprios, sejam eles institucionais ou de mídia. Talvez ainda não se tenham tornado populares ou não ultrapassaram o chamado “muro da academia”, o que reforça que a fala do presidente abre a possibilidade de um debate repleto de sentido.

Na literatura, autores se debruçam sobre a influência dos holofotes da TV Justiça no processo decisório e no comportamento dos ministros (Lopes, 2018) (Hartmann et al, 2017) (Silva e Hübner, 2009). Outros buscam compreender como a população brasileira percebe e reage à presença do STF no cenário público nacional, cuja relação é mediada por esses meios de comunicação (Falcão e Oliveira, 2012). Entre os efeitos observados: o aumento do tamanho dos votos em ações diretas; a redução da produção do colegiado, a publicação de acórdãos em ações diretas; e a maior produção individual dos ministros (Fonte, 2013).

Supremas Cortes ao redor do mundo, como é o caso do Reino Unido e dos Estados Unidos, dedicam-se a publicizar apenas parte de seus julgamentos. As deliberações entre juízes são mantidas em privado.

Autores defendem que a transparência judicial é capaz de produzir efeitos positivos, como aumentar a confiança judicial, conforme descrito por (Grimmelikhuijsen e Klijn, 2015) e a legitimidade judicial (Gibson et al, 2014). No entanto, há questionamentos sobre como é possível construir posições institucionais consistentes (Silva e Hübner) diante dos olhares do grande público. Se, para construir consenso, é necessário que um lado ceda, isso seria mais fácil em situações de maior ou menor exposição?

É inegável que as transmissões ao vivo, como as realizadas pela TV Justiça, favorecem o acesso democrático à informação, especialmente em um país de dimensões continentais e com desigualdades de acesso, como o Brasil. No entanto, faz-se necessário entender, por exemplo,  se disponibilizá-las é suficiente para que o conteúdo dos julgamentos seja compreensível para a população. Qual a qualidade dessa transparência? Para quem ela é produzida?

No caso dos votos de cada ministra ou ministro, deve-se somar, ainda, uma reflexão sobre o quanto a publicidade dos votos favorece que decisões sejam blindadas de pressões ou sirvam de apoio para a construção de estratégias de advocacy. A animosidade como resposta a votos, citada por Lula, é um fator. Ressalta-se que, em um cenário ideal, entretanto, ela não deveria nem sequer ser uma possibilidade por se tratarem de decisões que devem ser consideradas impessoais e, portanto, institucionais de um colegiado, e não de indivíduos.

Segundo Silva e Hübner (2009), transmissões ao vivo e acórdãos disponíveis na internet, entre outros, criaram um mito de transparência que precisa ser desconstruído. Tribunal constitucional transparente “é aquele que expõe abertamente os fundamentos de suas decisões para que sejam escrutinados no debate público” e não os autores, que ao ganharem protagonismo reduzem a importância institucional do colegiado. Essa é, inclusive, uma das questões que geram críticas: ampliar o valor dos votos monocráticos em detrimento das decisões colegiadas.

Mecanismos de transparência são necessários e bem-vindos. Há, porém, uma lacuna entre os objetivos de uma política pública, incluindo instrumentos de transparência, e os resultados efetivamente alcançados. Por isso, resta saber se todo instrumento criado sob o pressuposto de conferir ou ampliar transparência é eficaz e quais efeitos provocam.

Publicado originalmente no Jota.

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