Desafio está em equilibrar repressão e prevenção sob demandas urgentes
Com a transição no Ministério da Justiça e Segurança Pública, aumenta a temperatura do debate sobre qual o caminho a trilhar para devolver à população brasileira o direito de sair para trabalhar de manhã e voltar à noite para casa sem temer pela própria vida. Infelizmente, é sempre mais fácil falar do que fazer. O desafio posto está em equilibrar repressão e prevenção, sem pedir paciência infinita diante de demandas tão urgentes e sem embarcar no discurso da lei e da ordem que joga para o segundo plano garantias individuais.
A lista de tarefas é extensa: combater o crime organizado, elucidar a morte de Marielle Franco, esclarecer homicídios e trazer justiça para as famílias, diminuir os números inaceitáveis de feminicídio, repensar a questão das drogas e lidar com a letalidade policial. Difícil saber o que choca mais. Médicos assassinados no Rio de Janeiro ou o justiçamento das trágicas mortes determinado de dentro da prisão.
Apesar da força dos apelos populares e populistas por mais imagens de repressão e guerra, é preciso ter coragem para encarar uma realidade inquestionável: não existe solução mágica para a insegurança pública. O aumento da repressão tem gerado mais violência e perpetuado o encarceramento em massa, especialmente de jovens negros. Outra lição que já aprendemos e não assimilamos: uma vez na cadeia, detentos e seus familiares são mais facilmente cooptados por grandes organizações criminosas. Os estudos sobre reincidência criminal estão aí para mostrar que o sistema não funciona.
O Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o Conselhão, vem se debruçando sobre esse desafio por meio da Comissão de Direito e Democracia. O objetivo é auxiliar o governo federal neste que é um dos temas mais espinhosos da gestão pública.
A comissão examinou com lupa o Pronasci 2 (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania) e as iniciativas da Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos). Os programas têm os seguintes eixos prioritários: enfrentamento e prevenção de violência contra as mulheres; fomento às políticas de segurança pública com cidadania e foco em territórios vulneráveis e com altos indicadores de violência.
São ações ambiciosas mas fincadas na realidade, que não menosprezam urgências e levam em conta as desigualdades extremas que separam o território brasileiro. Lideradas por mulheres, Tamires Sampaio e Marta Machado, respectivamente, representam a espinha dorsal de uma política de prevenção que não pode mais ser adiada. Podem até não dar ibope, mas política pública não se faz só com likes e palminhas.
A comissão destacou ainda um terceiro ponto de atenção. Em outubro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a violação massiva de direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro e deu um prazo de quatro meses para o governo apresentar um plano estratégico. Dados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023 mostram que 68,2% dos presos no Brasil são pessoas negras, o maior nível da série histórica iniciada em 2005. De acordo com a publicação, a política prisional brasileira reproduz “padrões discriminatórios, naturalizando a desigualdade racial”. É por isso que falar em encarceramento em massa é apontar o dedo para o racismo estrutural.
Iniciativas recentes do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) mostram que é factível reverter o cenário de superlotação e condições degradantes dos presídios brasileiros. A escolha de Ricardo Lewandowski para o Ministério da Justiça mostra-se promissora. À frente do CNJ, foi ele o responsável por implementar as audiências de custódia, que configuram pilar de racionalidade no tema das prisões antes do julgamento.
Mais recentemente, ousou ao relatar o habeas corpus coletivo que assegurou a prisão domiciliar a mães com filhos menores de 12 anos.
A retomada do controle de armas de fogo pela sociedade brasileira foi um dos maiores legados de Flávio Dino no Ministério da Justiça. Essa promessa da transição foi cumprida no primeiro ano do governo Lula e nos tirou de uma espiral insana de violência e belicismo. A experiência, o profundo conhecimento das leis e a vocação humanista do futuro ministro do STF certamente continuarão conduzindo nosso país à pacificação e ao fortalecimento da defesa dos direitos humanos.
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.
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