Por Reinaldo Azevedo
Está em debate no Supremo, como sabem, alterações no Regimento Interno para diminuir o número de decisões monocráticas. A ideia é apelar cada vez mais ao colegiado. Obviamente, nada contra desde que não se invente uma burocracia por intermédio da qual habeas corpus e mandado de segurança, por exemplo, deixem de ser, por seu turno, habeas corpus e mandado de segurança… Parece tautologia? Não é. São instrumentos pautados pela urgência, e a eficácia tem de ser imediata. Havendo o mecanismo célere para que o pleno ou a turma possam avaliar a liminar concedida, adiante.
Já escrevi aqui, no entanto, que coisas estranhas ocorrem no tribunal nessa área, não é mesmo? Existem duas leis — não precisam ser criadas nem requerem alteração de Regimento Interno — que impõem que liminares por intermédio das chamadas ações de controle abstrato de constitucionalidade sejam decididas apenas pelo pleno do tribunal.
É o que prevê a Lei 9.868 para Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO). Já a lei 9.882 dispõe a mesma coisa para Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).
Pois bem. O ministro Gilmar Mendes encaminhou a Luiz Fux, presidente da Corte, um levantamento sobre tais ações. E o que é que se constata? Há nada menos de 69 ações dessa natureza que tiveram liminares monocráticas concedidas e que estão em vigência — algumas delas há muitos anos.
Sim, que se louve o esforço de mudar o Regimento Interno para impor a colegialidade a instrumentos que não contam com a devida prescrição legal ou regimental. Mas o que fazer quando há leis que obrigam a colegialidade, embora venham sendo descumpridas pelos próprios ministros do Supremo?
É por isso que já afirmei aqui que cumpre dar resposta não apenas à monocracia legal. Mais grave e urgente é a monocracia ilegal — porque fora da lei.
No levantamento encaminhado por Mendes, o campeão em decisões monocráticas “contra legem” nessas matérias de controle de constitucionalidade é justamente Luiz Fux, hoje o grande arauto da “desmonocratização”: nada menos de 16 levam a sua assinatura. Em segundo, está o próprio Mendes, com 13, seguido de perto por Roberto Barroso, com 11 — outro defensor do fim das decisões monocráticas. Alexandre de Moraes responde por 8, e Ricardo Lewandowski por 6. Rosa Weber, Edson Fachin e Celso de Mello, que já deixou o tribunal, contam com três (cada um); Dias Toffoli e Marco Aurélio, com 2; Carmen Lúcia e Celso Peluso (também ex-ministro), com uma.
TEMPO ASSOMBROSO
O tempo de vigência das liminares individuais, mesmo havendo leis que obrigam a colegialidade, é um tanto assombroso:
9% – até 180 dias;
38% – entre 181 e 500 dias
16% – entre 501 e 1.000 dias
14% – entre 1.001 e 1.500 dias
23% – acima de 1.500 dias
Acima de 1.500 dias? Sim, há liminares monocráticas em vigência há mais de quatro anos, embora, reitere-se, leis imponham que só sejam concedidas com o concurso do pleno. Calma! Há pelo menos cinco decisões que já têm mais de 2.500 dias…
Mendes propõe a Fux — em texto oportuno, tratarei de outras sugestões de mudança do Regimento Interno — que se estabeleça um prazo de 180 dias para zerar esse estoque. E, claro!, o desejável, então, é que o Supremo não peque mais.
Que se cumpram as duas leis e que decisões monocráticas em ações de controle abstrato de constitucionalidade não se repitam, a não ser nos casos excepcionalíssimos que a própria legislação prevê. E que se tomem as providências para zerar o estoque.
Ah, sim: na lista de Fux, está a liminar que suspendeu, por intermédio de ADI, a implementação do juiz de garantias, uma vontade expressa e esmagadora do Congresso, que é o Poder que legisla.
À luta, magistrados! Pela desmonocratização já!
Artigo publicado originalmente no UOL.
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