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STF reconhece assédio judicial a jornalistas e define tese para inibir prática

STF reconhece assédio judicial a jornalistas e define tese para inibir prática

Por Tiago Angelo

Constitui assédio judicial comprometedor da liberdade de expressão o ajuizamento de inúmeras ações a respeito dos mesmos fatos, em comarcas diversas, com o intuito ou efeito de constranger jornalista ou órgão de imprensa, dificultar sua defesa ou torná-la excessivamente onerosa.

O entendimento é do Supremo Tribunal Federal, que decidiu nesta quarta-feira (22/5) que profissionais e empresas jornalísticas podem requerer a reunião de todas as ações sobre um mesmo fato em seu foro de domicílio quando identificado assédio judicial.

O caso começou a ser analisado em setembro do ano passado, com o voto da relatora, ministra Rosa Weber, hoje aposentada. Na sequência, o julgamento foi paralisado por pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso. A análise foi retomada na quinta-feira passada (16/5) com o voto-vista de Barroso.

O Plenário também reafirmou que a responsabilidade de jornalistas ou de órgãos de imprensa só ocorre quando configurado inequívoco dolo ou culpa grave.

Ações

O tribunal analisou duas ações em conjunto. Uma delas (ADI 6.792) foi ajuizada pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI). A entidade pedia que fosse dada interpretação conforme a Constituição a dispositivos do Código Civil e do Código de Processo Civil com o intuito de coibir o emprego abusivo de ações de reparação.

A associação também afirmou que é desproporcional a penhora de valores das contas de jornalistas e pequenas empresas de comunicação.

A segunda ação (ADI 7.055) foi ajuizada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e pedia que, nos pedidos de reparação em que se verifique assédio judicial, o foro competente fosse o do domicílio do réu e que todos os processos conexos sejam reunidos para julgamento conjunto.

A Abraji afirmou que há casos em que um jornalista é processado em foros diversos, por diversas pessoas, para causar prejuízo ao profissional de imprensa, inclusive no que diz respeito ao direito de defesa.

Divergência vence

Venceu a divergência aberta pelo ministro Luís Roberto Barroso, que foi acompanhado por André Mendonça, Cristiano Zanin, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.

Barroso julgou procedente a ação da Abraji e parcialmente procedente a da ABI. Para ele, as ações contra jornalistas devem ser reunidas no foro de domicílio do réu quando caracterizado o assédio judicial.

“A proteção da liberdade de expressão legitima a fixação de competência no foro do domicílio do réu, uma vez caracterizado o assédio judicial. Essa é a regra geral do Direito brasileiro e diversas leis preveem expressamente a reunião de ações com os mesmos fundamentos em um único foro”, disse o ministro.

Ainda segundo ele, o tribunal decidiu em diversos casos que “a liberdade de expressão é preferencial no Estado democrático de Direito”, o que significa que, para superar a liberdade de expressão, é necessário “ônus argumentativo maior para quem deseja defender tese oposta” a essa liberdade.

“Da mesma forma, a posição preferencial da liberdade de expressão protege a liberdade jornalística, somente podendo se dar a responsabilidade civil do jornalista ou do veículo de comunicação em caso de dolo ou culpa grave.”

O ministro propôs a seguinte tese:

1) Constitui assédio judicial comprometedor da liberdade de expressão o ajuizamento de inúmeras ações a respeito dos mesmos fatos, em comarcas diversas, com o intuito ou efeito de constranger jornalista ou órgão de imprensa, dificultar sua defesa ou torná-la excessivamente onerosa;
2) Caracterizado o assédio judicial, a parte demandada poderá requerer a reunião de todas as ações no foro de seu domicílio;
3) A responsabilidade civil de jornalistas ou de órgãos de imprensa somente estará configurada em caso inequívoco de dolo ou culpa grave (evidente negligência profissional na apuração dos fatos).

Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Gilmar Mendes divergiram pontualmente da tese quanto à necessidade de culpa grave. Para eles, o dolo e a culpa seriam suficientes para a responsabilização.

Relatora

A relatora do caso, ministra Rosa Weber (aposentada), não conheceu da ação da Abraji. Ela entendeu que a associação buscava criar uma regra de competência. Para ela, o Judiciário não deve alterar regras processuais estabelecidas pelo Legislativo.

Quanto à ação da ABI, a ministra julgou parcialmente procedentes os pedidos, assentando que o dano moral decorrente de textos jornalísticos exige veiculação de ameaça, intimidação, incitação à discriminação e à violência, apologia ao ódio, ataques à reputação de alguém, risco à segurança nacional, propaganda favorável à guerra ou desinformação.

Segundo a magistrada, há uma cultura de repressão judicial à livre expressão, “em particular quando crítica a autoridades públicas”. Isso faz com que jornalistas tenham o “constante receio” de serem alvos de processos.

“Perpetua-se no Brasil, ano após ano, um ambiente institucional em que repórteres e jornalistas são expostos e reiteradas ações judiciais visando intimidar o trabalho da imprensa”, assinalou ela.

De acordo com Rosa, os temas de interesse público estão fora do escopo dos direitos de personalidade — que, portanto, não podem ser obstáculo para a publicação de qualquer assunto.

A ministra ressaltou que “usos irresponsáveis das ferramentas de comunicação” — fake news e outras formas de desinformação — devem ser combatidos. E eventuais restrições devem ser previstas em lei e representar “um limite necessário à preservação de uma sociedade democrática e plural”.

Quanto à penhora das contas de jornalistas, a relatora não viu justificativa para abrir exceções à ordem de preferência presente no Código de Processo Civil. Segundo ela, o pedido da ABI “busca interferir de modo desproporcional nessa equação”.

ADI 6.792
ADI 7.055

Publicado originalmente no Consultor Jurídico.

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