Por Sérgio Rodas
A suspensão do advogado aplicada preventivamente pelo Tribunal de Ética e Disciplina — primeira instância do processo disciplinar — constitui antecipação da pena antes do trânsito em julgado, algo incompatível com a Constituição Federal.
Essa é a opinião do criminalista Luís Guilherme Vieira, ex-conselheiro e presidente da Comissão de Defesa do Estado Democrático de Direito da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil. Em parecer para o presidente da OAB-RJ, Luciano Bandeira, Vieira sugeriu que a suspensão preventiva do advogado tenha caráter de medida cautelar.
O parágrafo 3º do artigo 70 do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994) estabelece que o advogado poderá ser suspenso preventivamente em caso de repercussão prejudicial à dignidade da advocacia, pelo prazo máximo de 90 dias.
Também em parecer, o conselheiro da OAB-RJ Renato Tonini apontou que, ainda que a suspensão preventiva do advogado tenha natureza acautelatória, ela não atinge os objetivos inerentes às medidas cautelares, como a defesa da passagem do tempo ou a preservação de provas. Assim, tal medida constituiria mera antecipação de pena, sem que estivesse formada a culpa do advogado após o devido processo legal disciplinar.
Dessa maneira, Tonini sugeriu que tal penalidade só seja aplicada quando a conduta, cometida no exercício da profissão, prejudicar a clientela do advogado ou a própria sociedade ou afrontar a regularidade dos processos judiciais e administrativos.
Ao analisar a proposta de Tonini, Luís Guilherme Vieira afirmou que o parágrafo 3º do artigo 70 do Estatuto da Advocacia não visa atender o objetivo das cautelares, como garantia da efetividade do processo disciplinar, mas apenas à antecipação da possível sanção disciplinar, na contingência de publicidade negativa dos fatos ali em análise.
Porém, a presunção de inocência (artigo 5º, LVII, da Constituição Federal) proíbe a antecipação de penas, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal em 2019 (Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43, 44 e 45), destacou o advogado.
“Dentro desse panorama, a previsão de suspensão do advogado aplicada, preventivamente, pelo Tribunal de Ética e Disciplina do conselho — frise-se, em primeira instância do processo disciplinar —, basicamente instituindo permissão legal de execução de pena antes do trânsito em julgado, é incompatível com a ordem constitucional”, opinou Vieira.
“Não obstante recaiam sobre o arguido suspeitas de prática criminosa ou contrária aos valores da advocacia, a exemplo da hipótese em tela, no curso do processo ele tem de ser tratado como inocente, facultando-se, unicamente, a aplicação de restrições a direitos com justificativas cautelares.”
Dessa maneira, para compatibilizar a medida contida no parágrafo 3º do artigo 70 do Estatuto da Advocacia à presunção de inocência, analisou o criminalista, é necessário conferir caráter cautelar à suspensão preventiva. Assim, ela só poderia ser aplicada quando presentes os pressupostos de cautelaridade, quais sejam, o periculum libertatis (perigo da liberdade do acusado) e o fumus comissi delicti (comprovação da existência de um crime e indícios suficientes de autoria).
“Nesse passo, a suspensão preventiva do exercício da advocacia prevista pelo Estatuto da OAB só seria constitucional e legal se caracterizasse meio urgente e eficaz a salvaguardar o resultado útil do penalizador, atendendo a todos os requisitos necessários para esse fim. Assim sendo, para a proteção provisória do interesse da advocacia, como almeja a norma em apreço, por essência, tem cabimento a atuação da tutela cautelar, enquanto medida preventiva ao risco do dano imediato ou da ineficácia do processo”, avaliou Vieira.
Clique aqui para ler o parecer.
Publicado originalmente no Consultor Jurídico.
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