Por Mônica Bergamo com colaboração de Bianka Vieira, Karina Matias e Manoella Smith
Ex-presidente afirmou que impeachment foi um ‘golpe de sorte’ ao rebater Lula nesta semana
As declarações do ex-presidente Michel Temer (MDB) de que o impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016, seguiu a Constituição e foi um “golpe de sorte” para o país incomodaram o ex-ministro da Justiça e ex-advogado-geral da União José Eduardo Cardozo.
Defensor da petista à época do processo que a destituiu da Presidência da República, ele afirma que o emedebista busca dar uma “versão tragicômica” para um “episódio lamentável”, o qual chama de “golpe”.
“O fato de ter havido um processo de impeachment formal não quer dizer que não tenha havido um golpe”, diz Cardozo à coluna. “Eu até entendo o ex-presidente Michel Temer falar o que ele fala, que eu chamaria de ‘ilegítima defesa’. Ele vai sempre se defender dizendo que não participou, mesmo quando as suas próprias entrevistas demonstram que ele reconhece que não houve crime de responsabilidade.”
Temer afirmou que o atual mandatário insiste em manter “os olhos no retrovisor” e tenta “reescrever a história por meio de narrativas ideológicas”.
“Ao contrário do que ele disse hoje [na quarta-feira (25)] em evento internacional, o país não foi vítima de golpe algum. Foi na verdade aplicada a pena prevista para quem infringe a Constituição”, escreveu o ex-presidente.
Para Cardozo, no entanto, o processo de impeachment foi um “vale-tudo institucional”, e seus desdobramentos alçaram Jair Bolsonaro (PL) à Presidência e ensejaram episódios como os ataques golpistas de 8 de janeiro deste ano.
“Acho engraçado aqueles que negam que houve golpe em 2016 e hoje criticam ou fazem uma crítica a Jair Bolsonaro sem perceber que o bolsonarismo foi gerado pela irresponsabilidade institucional de 2016. Quando você vai para o vale-tudo, é isso o que você traz para a sociedade”, afirma o ex-ministro.
“Me espanta, ainda hoje, algumas pessoas dizerem que não houve golpe no caso do impeachment de Dilma ou que não se deve olhar o passado. Por que isso? Olhar para o passado é necessário para evitar os erros que podem acontecer no presente e no futuro. As coisas têm que ser ditas sem meias palavras: o que aconteceu em 2016 foi um golpe”, continua.
Na opinião do ex-ministro da Justiça, a existência de um processo que resultou na deposição de uma presidente não é garantia de que as regras constitucionais tenham sido seguidas à risca.
Ele afirma, por exemplo, que não houve ato de má-fé, por parte de Dilma, que justificasse o crime de responsabilidade atribuído a ela pela prática de pedaladas fiscais.
“Dilma não cometeu ato ilícito porque todos os governos anteriores faziam o mesmo. Não foi doloso, e havia manifestações de órgãos técnicos dizendo isso. E não foi ela que praticou o ato. Tudo isso foi provado, inclusive, pela perícia do Senado”, diz.
Cardozo ainda afirma que a queda de Dilma Rousseff foi motivada por falta de apoio junto a parlamentares, o que só se sustentaria em um regime parlamentarista, em que o chefe de governo pode cair se não tiver o endosso da maioria.
“Basta pegar a sessão [do Congresso, que julgou a então presidente]. Não era por aqueles fatos que Dilma estava sofrendo impeachment, mas pelo conjunto da obra. Ora, o conjunto da obra é apreciação política que não tem base no presidencialismo para depor um presidente. O presidente pode perder apoio do povo e da base parlamentar, mas continua governando”, diz o ex-ministro.
José Eduardo Cardozo ainda rebate a ex-ministra e atual secretária municipal de Relações Internacionais de São Paulo, Marta Suplicy, que em entrevista à TV Folha afirmou que o impeachment de 2016 não poderia ser chamado de golpe.
“Não achei que foi golpe, de jeito nenhum. Passou por todos os canais legais, foi absolutamente dentro da Constituição”, afirmou Marta na quinta-feira (26), pregando não ser hora de “olhar para o leite derramado” diante de problemas mais urgentes.
“Discordo veementemente”, afirma Cardozo. “Claro que devemos olhar para o passado. Por que estudar história? Para entender o presente”, diz o ex-ministro.
Publicado originalmente na Folha de S.Paulo.
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