Por Matheus Teixeira
Magistrados cobraram cooperação entre os entes da federação no combate à crise do novo coronavírus
O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu por unanimidade nesta quarta-feira (15) que estados e municípios têm autonomia para determinar o isolamento social em meio à pandemia do coronavírus.
Todos os nove ministros que votaram defenderam que prefeitos e governadores têm competência concorrente em matéria de saúde pública e, portanto, podem regulamentar a quarentena. A maioria permitiu ainda que os entes da federação decidam quais são os serviços essenciais que podem funcionar durante a crise.
O ministro Luís Roberto Barroso se declarou impedido, e Celso de Mello não participou da sessão.
O ministro Gilmar Mendes chegou a afirmar que o presidente Jair Bolsonaro pode até demitir o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, mas “não dispõe do poder para eventualmente exercer uma política pública de caráter genocida”.
Na sessão, os ministros analisaram uma ação que questiona medida provisória na qual o governo estabeleceu que decisões sobre o isolamento e a circulação de pessoas e mercadorias devem observar critérios do Executivo federal e serem submetidas à avaliação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância em Saúde).
A maioria da corte referendou decisão monocrática do último dia 24 em que o ministro Marco Aurélio manteve a validade da MP, mas deixou claro que a Constituição prevê autonomia aos entes da federação para adotar providências a fim de proteger a saúde da população.
O ministro Alexandre de Moraes foi o primeiro a acompanhar Marco Aurélio. Ele aproveitou para criticar a atuação do governo federal.
“A verdade é que, se há excessos das regulamentações estaduais e municipais, isso ocorreu porque não há até agora uma regulamentação geral da União sobre a questão do isolamento, sobre o necessário tratamento técnico científico dessa pandemia gravíssima que vem aumentado o número de mortos a cada dia”, ressaltou.
Moraes também deu exemplo do que cabe a cada ente de da federação.
“Entendo a preocupação do governo porque a competência comum administrativa não permite a um prefeito ou governador interditar um aeroporto internacional. Isso não é competência municipal, é nacional. Da mesma forma que não compete ao presidente da República verificar se um município deve interditar bares e restaurantes em virtude da proliferação do vírus”, disse.
O ministro Luiz Edson Fachin foi na mesma linha e disse que a MP do governo não é inconstitucional, mas que cabe ao STF deixar clara a competência de estados e municípios.
“Ao menos do que se tem do atual estágio processual, essa ordem de ideias dá amparo à ressalva feita pelo ministro, no que assentou a competência concorrente para legislar sobre o tema”, disse.
Já o ministro Ricardo Lewandowski cobrou “prudência, ponderação e responsabilidade” para combater a crise. E disse que os entes da federação devem trabalhar de maneira coordenada, porque os parlamentares não têm como prever todas as consequências que a Covid-19 pode causar na sociedade para regulamentá-las.
“O federalismo cooperativo exige diálogo, exige liderança política. A cooperação entre os entes federados não pode ser imposta por lei, mesmo porque a realidade é tão multifacetada e a evolução da pandemia é tão imprevisível e tão repleta de surpresas que o legislador não poderia prever de antemão, por maior que fosse sua boa vontade, todas as possibilidade que administradores públicos possam vir a enfrentar”, observou.
Gilmar Mendes, por sua vez, afirmou que o ideal seria o governo federal criar um comitê com estados e municípios para gerenciar a crise. “O presidente não pode atropelar competências federativas assim como os estados e municípios não podem atropelar as competências da União. É preciso que sejamos construtivos.”
Na abertura da sessão, o presidente da corte, Dias Toffoli, fez um discurso em defesa do isolamento social e da ciência. O magistrado fez um agradecimento aos profissionais de saúde e destacou a importância das pesquisas científicas neste momento.
“Os cientistas estão trabalhando com dedicação, originalidade e amor à razão e à ciência, para nos municiarem com os estudos necessários para que possamos compreender melhor este momento e as soluções possíveis para a pandemia.”
Toffoli também ressaltou que o STF tem desempenhado um papel para garantir a harmonia entre os Poderes e entre os entes da federação. “A corte tem atuado como moderadora dos conflitos federativos e garantidora da harmonia entre os Poderes, em prol da coordenação e da coesão das ações no enfrentamento à doença”, afirmou.
O magistrado voltou a defender que o STF é a corte constitucional que mais julga no mundo. Ele destacou que em diversos países os ministros da cúpula do Judiciário não chegam a julgar mais que cem processos por ano. Enquanto, no Brasil, foram tomadas 702 decisões apenas relacionadas ao novo coronavírus.
Antes dos votos, o procurador-geral da República, Augusto Aras, elogiou a liminar de Marco Aurélio e também afirmou que as três esferas da federação têm competência para legislar sobre saúde pública.
Mais cedo, Aras havia enviado aos ministros um parecer na mesma linha na ação em que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) pede que o Supremo obrigue Bolsonaro a seguir as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde).
No texto, o procurador-geral defende que compete ao governo federal editar normas gerais, mas que o presidente da República não pode afastar atos administrativos de governadores e prefeitos que estejam de acordo com a lei.
Aras elogiou ainda o fato de a decisão não ter acolhido o pedido da entidade para obrigar o chefe do Executivo a tomar medidas administrativas e econômicas específicas em relação ao enfrentamento da doença.
“Aqui, contudo, pretende-se a substituição do juízo discricionário próprio ao Executivo na definição do momento oportuno para um maior ou menor grau de isolamento social, considerada a ponderação entre o limite do sistema de saúde de um lado e o limite do sistema econômico de outro, em um jogo de equilíbrio apto a compor um ponto ótimo de concretização dos direitos fundamentais da população brasileira.”
AÇÕES DO SUPREMO
Lei de Acesso à Informação
Alexandre de Moraes suspende, em 26 de março, trecho de medida provisória que retirava a obrigatoriedade de órgãos públicos cumprirem um prazo para responder pedidos via LAI (Lei de Acesso à Informação). Moraes afirmou que a MP pretendia “transformar as exceções –sigilo de informações– em regra, afastando a plena incidência dos princípios da publicidade e da transparência”
Prorrogação de MPs
Moraes nega, em 27 de março, pedido do Planalto para ampliar a vigência de medidas provisórias na pandemia. O governo pediu para o STF determinar a suspensão por 30 dias da contagem de prazo das MPs, mas o ministro afirmou que não há previsão na Constituição
Proibição de campanha
O ministro Luís Roberto Barroso veta, em 31 de março, a circulação da campanha “O Brasil não pode parar”, do governo federal, que estimulava a volta à normalidade. Segundo Barroso, iniciativas contra o isolamento colocariam a vida da população em risco. O ministro proibiu ainda qualquer propaganda que minimize a gravidade da crise
Notícia-crime
Marco Aurélio pede, em 31 de março, manifestação da Procuradoria-Geral da República em notícia-crime apresentada pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG). De acordo com o parlamentar, Bolsonaro infringiu trecho do Código Penal que proíbe a violação de ordem do poder público que tenha como objetivo impedir a propagação de doença contagiosa
#PagaLogo
Gilmar Mendes vai às redes sociais, também em 31 de março, para criticar a afirmação do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que seria necessário aprovar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para pagar os R$ 600 reais a trabalhadores informais. O ministro compartilhou a #PagaLogo para pressionar o governo e disse que a Constituição não pode ser considerada um obstáculo para superação da crise. O site e o aplicativo para pedidos do auxílio foram lançados no dia 7 de abril
Autonomia de estados
Em 8 de abril, Alexandre de Moraes decide que estados e municípios têm autonomia para impor o isolamento social.
Na ação, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) pedia para a corte obrigar o presidente a seguir as recomendação da OMS.
Para o magistrado, o governo federal não poderia “afastar unilateralmente” decisões de governantes locais sobre a restrição de circulação, cuja eficácia, afirmou o ministro, foi comprovada por diversos estudos científicos
Isolamento social
Os ministros decidiram, no dia 15 de abril, que estados e municípios têm autonomia para
impor o isolamento social em meio à pandemia, seguindo decisão de Marco Aurélio do dia 24 de março.
Na sessão, a corte analisava ação que questionava uma MP do governo. A medida estabelecia que decisões sobre restrição à circulação deveriam observar critérios do Executivo federal.
Texto publicado originalmente na Folha de S. Paulo.
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