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Coronavírus avança e 35% de presídios de SP têm casos suspeitos ou confirmados

Por Rogério Pagnan

Números incluem presos e funcionários isolados ou afastados; sindicato diz que agentes sofrem preconceito

Medidas de segurança adotadas pelo governo paulista, iniciadas em março, não estão sendo suficientes para conter o avanço do coronavírus pelo sistema prisional.

Há funcionários afastados ou presos isolados por suspeita ou confirmação de infecção por coronavírus em 62 das 176 unidades prisionais do estado, ou 35% do total das prisões sob responsabilidade da Secretaria da Administração Penitenciária.

Ao menos 27 unidades têm presos com suspeita ou confirmação de contaminação, o que representa 15% do total. São 79 presos isolados e 232 servidores afastados das funções. O número de presos isolados não inclui os colegas de cela que também ficam confinados, sem poder acessar ao pátio de convivência, enquanto dura a investigação para saber se o detento está mesmo infectado.

Foram confirmadas 13 mortes de pessoas ligadas ao sistema: 7 detentos e 6 funcionários. Com exceção de uma morte em Guarulhos, as outras se concentram no interior do estado. Em Sorocaba são dois detentos e um agente mortos.

Entre as medidas implementadas pelo governo paulista a partir de 15 de março, algumas espontaneamente e outras por força de determinações judiciais, estão a suspensão de visitas dos familiares e da entrega presencial de alimentos e outros itens, os chamados “jumbos”. Essas entregas agora podem ser feitas só pelos Correios.

Também foram suspensas as assistências religiosas e educacionais com participação de integrantes externos, assim como as saídas temporárias de presos do regime semiaberto, tanto para o trabalho externo quanto para visitas às famílias em datas específicas, as chamadas “saidinhas”. Essa última decisão chegou a provocar revolta de presos em algumas unidades do estado.

Além disso, os funcionários do grupo de risco foram afastados e medidas de segurança foram adotadas em todas as unidades para evitar que funcionários infectados adentrassem as unidades, como a verificação de se estão com febre. “De todo servidor é medida a temperatura corporal; ele também precisa se higienizar para entrar na unidade, para evitar justamente o vetor de contaminação não seja de fora para dentro”, disse o secretário da Administração Penitenciária, Nivaldo Restivo.

Para o governo, a explicação possível para o vírus ter entrado no sistema e ter conseguido avançar é a mesma dificuldade encontrada em todo mundo para combatê-lo: a transmissão por pessoas que não apresentam sinais da doença.“Provavelmente, há grande chance de isso ter acontecido com algum servidor assintomático. Porque mesmo que ele adote as medidas de profilaxia interna, ainda assim é um vetor de transmissão”, disse.

Os dados obtidos pela Folha apontam um aumento no número de presos e funcionários isolados ou afastados por suspeita de contaminação. No último dia 23, o número de presos era de cerca de 40 casos –ante os atuais 79. De funcionários, no mesmo dia, eram algo em torno de 40 pessoas –agora são 232.De acordo com o governo, o acompanhamento dessa movimentação dos números é diário e eles são, por ora, considerados dentro do controle e do esperado.

O presidente do Sifuspesp (Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo), Fábio Cesar Ferreira, o Jabá, concorda com o secretário. “Somos nós que estamos levando lá para dentro”, disse.

Para ele, preocupa o crescimento do número de funcionários infectados e, por outro lado, a dificuldade de conseguir realizar exames para descartar ou confirmar a doença. Uma das medidas adotadas pelo sindicato é tentar conscientizar os servidores, em especial no interior do estado, sobre a necessidade de isolamento.

Ferreira diz que muitos colegas seguem o discurso bolsonarista de minimização da gravidade da pandemia ou tratam com indiferença a quantidade de mortes. Alguns agentes chegam a recusar a usar material de proteção.

“A maioria apoiou o Bolsonaro [nas eleições] e a maioria reverbera esse discurso dele de ‘E daí se morreu muita gente?’, ‘Isso é um gripezinha’. […] Então, de vez em quando tem lá um servidor fazendo gracinha e não quer usar [os equipamentos de segurança]. Nossa recomendação é para que use”, disse, em relação a reclamações que o Sindicato tem recebido.

Outro problema que a categoria também enfrenta, embora não tenha dado causa a ele, é o preconceito sofrido por servidores em algumas cidades do interior. Ele afirma que alguns prefeitos estão culpando o sistema prisional como vetor da doença e, com isso, os profissionais estão sofrendo hostilidade.“Está ocorrendo aquele mesmo efeito dos enfermeiros de São Paulo que estava sendo agredidos no metrô. Só não foram agredidos ainda, mas quando reconhecem o funcionário, colocam luva, máscara e dizem: ‘fica longe de mim”, disse.

Para os sociólogos Álvaro Gullo, da USP e Luis Flávio Sapori, da PUC Minas, as medidas de segurança precisam ser mantidas, como proibição de visitas, isolamento dos presos infectados (se possível em outras unidades) e uso de equipamentos de segurança pelos agentes penitenciários.

Eles também concordam em relação a defender a soltura de presos com menor grau de periculosidade. “É preciso acentuar a política de prisão domiciliar, intensificar esse tipo de medida principalmente para presos da baixa periculosidade, média periculosidade, que estão no regime semiaberto”, disse Sapori. “Porque há um risco muito grande de ter uma mortandade de presos, em especial nos estados onde a doença está recrudescendo”, disse.

Para o professor da USP, a notícia de aumento de casos no sistema paulista é grave. “Até por que as condições do sistema, todos nós sabemos, são péssimas. São cubículos, superlotados. Acho a medida mais correta, mais adequada, mais viável, mais lógica, diante dessa situação. Para não agravar a situação dentro e fora dos presídios”, disse Gullo. “A liberação de presos de menor potencial criminológico infectados com o coronavírus pode ser considerada como uma medida protetiva não só para o sistema prisional mas para a toda a sociedade”, disse.

Até a última sexta-feira, foram soltos por determinação da Justiça 3.190 presos.

A advogada Priscila Pamela dos Santos, presidente da comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB São Paulo e também diretora do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), a soltura de presos concedida até agora pela Justiça é insignificante.

Segundo ela, a Secretaria da Administração Penitenciária informou, ao ser requisitada, que o sistema possui 25 mil presos que se encaixam no grupo de risco. Segundo ela, essa lista será disponibilizada para os advogados apresentarem requisição ao Judiciário. “Nós nos propusemos a criar um mecanismo dentro da própria OAB para o advogado, com procuração comprovada, faça consulta na OAB e a gente consiga dizer para ele: ‘está no grupo de risco’”, disse a advogada.

Essa lista deve disponibilizada nesta segunda-feira (11) e fornecida mediante requerimento. O OAB também solicitará ao Tribunal de Justiça que encaminhe essa lista para todos os juízes, para facilitar a consulta na hora de decidir sobre a concessão de medida.“Não é liberar sem qualquer consequência. É soltar para continuar cumprindo a medida que foi imposta, mas em casa”, disse.

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.

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