Por Por Paulo Gustavo Guedes Fontes
Pelo modelo, o magistrado que determina as medidas investigativas não preserva imparcialidade no julgamento
A criação, entre nós, do juiz de garantias estava prevista no projeto do novo Código de Processo Penal, mas foi acelerada com sua inclusão no “pacote anticrime” no fim de 2019 (Lei 13.964). O STF suspendera sua implantação, mas, no julgamento que vem ocorrendo nas últimas semanas, já formou maioria para autorizar o modelo, no que vem sendo considerada a maior inovação no processo penal brasileiro nas últimas décadas.
A ideia, contudo, não é nova. Podemos fazer remontar o juiz de garantias ao “juiz de instrução”, tão comum na Europa, em países como França, Espanha ou Portugal. O juiz de instrução investiga, mas não julga, remetendo as provas obtidas a outros juízes, que de fato decidirão o caso. Esse sistema garantiria maior imparcialidade no julgamento final e tem sido referendado pela Corte Europeia de Direitos Humanos, como nos casos Piersack c. Belgique, de 1982, e Adamkiewicz c. Pologne, de 2010, entre outros.
Nosso juiz de garantias não fará a investigação, que continuará a cargo da polícia e do Ministério Público. Mas será o responsável por deferir medidas pré-processuais, como prisão preventiva e quebra do sigilo telefônico ou bancário dos investigados. O modelo assemelha-se aos mais recentes GIP italiano (giudice per le indagini preliminari) e JLD francês (juge des libertés et de la détention), que também não podem julgar o caso por terem atuado na fase investigativa.
Pelo espírito desses modelos, o juiz que determinou medidas investigativas ou até a prisão do acusado durante o processo não teria imparcialidade para proferir o julgamento final. Isso por uma razão quase intuitiva: a atuação prévia acarretaria um prejulgamento e um “apego” cognitivo (até ditado pela preocupação com a imagem e reputação profissional) que levariam o juiz a confirmar as posições iniciais, mesmo que venham aos autos provas e argumentos novos que favoreçam a defesa.
O STF, portanto, acerta em referendar o modelo, testado e aprovado noutros países. Até agora, somente o ministro Luiz Fux considerou que a lei é de implantação opcional pelos tribunais. Os outros seis que já votaram — Dias Toffoli, Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Nunes Marques e Edson Fachin — entenderam que a implantação é obrigatória, divergindo apenas quanto ao prazo necessário para que os tribunais do país se adaptem à mudança. Toffoli, o primeiro a divergir de Fux, propôs o prazo de um ano, que parece suficiente.
Artigo publicado originalmente em O Globo.
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