Por Maria Virginia Nabuco do Amaral Mesquita Nasser
Supremo acerta ao limitar atuação do TCU sobre acordos de leniência
Competência tem sido assunto recorrente no Supremo Tribunal Federal nos últimos dias.
Regras de competência determinam qual departamento de cada órgão deve processar e julgar determinada causa, em razão das atribuições legais destas autoridade, do local onde se origina o imbróglio, do tipo de causa envolvida e de eventual conexão com causa já em julgamento em dado foro.
Na Lava Jato, uma aplicação ambiciosa de algumas regras de competência, aliada ao instituto da delação premiada, fez com que o financiamento de quase todo o sistema político brasileiro fosse parar na 13ª Vara Criminal de Curitiba.
Um executivo da Petrobras que já havia sido até senador da República foi preso sob suspeita de receber propinas em contratos da Petrobras. Em delação, explicou os diversos esquemas ocorridos não apenas naquela empresa (“a dama mais pura dos cabarés de Brasília”, dizia) como em outras estatais e departamentos, discorrendo também sobre o sistema do financiamento de campanhas praticado no país.
A declaração de inidoneidade, como observou o relator, ministro Gilmar Mendes, ao impedir que empresas façam novos contratos com o Estado, como queria o TCU, que não fez parte da assinatura dos acordos de leniência, equivaleria à pena de morte para as construtoras, que dependem dos contratos de obras públicas.
No auge do espetáculo da Lava Jato, todos os órgãos de controle queriam seu quinhão da cruzada que se tornou o combate à corrupção. Não foram apenas os ministros do TCU que saíram nos jornais dizendo que o acordo de leniência firmado sem a participação desta ou daquela instituição não daria total segurança às empresas, que seguiriam sujeitas a ações de responsabilização e penalidades, como a proibição de contratar com o Estado.
Amedrontados com a possibilidade de que as empresas lenientes sofressem mais ações milionárias, bancos públicos e privados cortaram-lhes o crédito. Órgãos da administração pública, por medo ou oportunismo, deixaram até mesmo de pagar partes de obras já entregues.
As empresas começaram a sangrar. Mas não importava. Um membro da força tarefa da Lava Jato disse na época à imprensa que “leniência não serve para destravar crédito nem para salvar empresa”. Esqueceu-se, talvez, de que, no direito norte-americano, preservar a empresa é, sim, uma diretriz do sistema de responsabilização.
Aqui, as empresas do setor de construção pesada perderam sua liquidez e entraram para as filas da recuperação judicial enquanto os órgãos que formavam a sopa de letrinhas do controle público diziam que não podiam abrir mão de sua competência para responsabilizar empresas se não fossem chamados à mesa para negociarem os acordos de leniência, já que estavam a defender o interesse público. Essas tinham enorme peso no setor produtivo em 2017.
Detalhe: a assinatura de acordo de leniência com algumas dessas autoridades nem sequer tinha previsão legal. Inventado o pecado, difícil é conceber o perdão.
A decisão do STF de proteger a validade do acordo de leniência, permitindo que as empresas investigadas se reabilitem (ainda que com a ajuda da recuperação judicial, único juízo que no Brasil tem licença para tomar a preservação da empresa como missão principal), dá um passo nesse longo caminho. A corrupção —vemos agora— é um pecado original, sempre presente entre os homens. Não se expurga apenas com a festa da punição espetaculizada, mas precisa ser enfrentada com um sistema de responsabilização coerente, acompanhado de outras reformas.
Em tempo: nos dias que correm, dão saudades aqueles em que o financiamento eleitoral em excesso vinha de grandes construtoras, não de milícias e mercados da fé.
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.
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