Por Reynaldo Turollo Jr.
Coordenador do grupo de advogados ligado a Lula, Marco Aurélio Carvalho diz que uma rede de proteção já se formou contra os ataques às eleições
Conhecido por sua militância anti-lavajatista e, mais recentemente, por ter promovido o jantar de aproximação entre o pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), o Prerrogativas começou como um seleto grupo de WhatsApp que reunia alguns poucos advogados em 2014. Sete anos depois, o grupo ganhou influência sobre a agenda política, tem participado da elaboração de projetos de lei no Congresso (como a reforma do Código Eleitoral, o projeto das fake news e o texto que substituiu a Lei de Segurança Nacional), é recebido por ministros dos tribunais superiores em Brasília e até patrocina o lançamento de produtos — como livros jurídicos e o documentário Amigo Secreto, dirigido por Maria Augusta Ramos, que se debruça sobre as mensagens hackeadas da Lava Jato.
Composto hoje por representantes de cerca de setenta entidades da sociedade civil, da OAB à Coalização Negra por Direitos, além de advogados de elite como Alberto Toron, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, e Roberto Podval, o Prerrogativas é coordenado por Marco Aurélio de Carvalho, que falou a VEJA sobre o papel que o grupo quer ter na defesa do processo eleitoral, sobre críticas ao Judiciário — inclusive ao Supremo Tribunal Federal e seu atual presidente, o ministro Luiz Fux — e, claro, sobre a polarização entre Lula e Jair Bolsonaro (PL). Confira a entrevista.
Como surgiu o Prerrogativas? Resolvemos fazer o grupo quando o Aécio Neves (PSDB), nas eleições de 2014, colocou o processo eleitoral em xeque. Resolvemos organizar o grupo para fazer uma espécie de observatório da democracia. Dito e feito. Veio o impeachment e a gente participou ativamente, dando subsídios para os advogados da presidenta Dilma (Rousseff).
Vocês veem relação entre o que Aécio Neves fez em 2014 e o que Bolsonaro faz hoje? Não tem a menor dúvida. Acho que o PSDB precisava, inclusive, fazer uma autocrítica da participação dele nesse processo de desacreditação do processo eleitoral brasileiro, que é paradigma no mundo. A gente entende que aquilo foi o ovo da serpente.
Entidades da sociedade civil estão se organizando para criar uma rede de prevenção caso o resultado da eleição venha a ser questionado ou seja tentada alguma manobra para que a eleição não ocorra normalmente. O Prerrogativas participa desse fórum. Esse grupo se reúne esporadicamente com o próprio TSE (Tribunal Superior Eleitoral), externando preocupações sobre esse tema e deixando claro que a sociedade civil vai estar à frente de uma eventual resistência caso seja necessário. Foi por esse sistema que Bolsonaro se elegeu, foi por esse sistema que o campo progressista ganhou e perdeu eleições, é um sistema validado por atores internacionais e pelos partidos políticos do Brasil. O próprio presidente do partido do Bolsonaro, Valdemar Costa Neto, do PL, falou que tem uma crença sincera de que as urnas eletrônicas funcionam bem. As ameaças são diárias, esse é um governo da tentativa e do erro. Bolsonaro joga no limite o tempo inteiro, fala os maiores absurdos. Se há uma reação organizada da sociedade civil, ele dá dois passos para trás. Se a reação é tímida, ele dá um passo para a frente.
Qual será o papel do Judiciário diante de uma contestação da eleição? Eu acho que as instituições brasileiras são sólidas, que o Poder Judiciário vai reagir à altura e que o mundo está olhando para o Brasil. Vamos lembrar os Estados Unidos, o sol vai nascer amanhã como nasceu nos Estados Unidos. Donald Trump incentivou a invasão do Capitólio, todo mundo ficou apreensivo, mas o que aconteceu? O sol nasceu e o Trump foi obrigado a arrumar as malas. É o que Bolsonaro vai ter que fazer. Agora, a discussão é para onde ele vai, se vai para o condomínio de luxo no Rio de Janeiro ou para uma prisão qualquer. Essa talvez seja a grande razão inconfessável para ele querer questionar o resultado da eleição. Várias pessoas próximas a ele têm dito publicamente do receio (de ir para a prisão), porque é claro que no mandato presidencial ele tem algum grau de blindagem. O grande medo dele é esse.
Essa postura de questionar as eleições pode gerar impactos para Bolsonaro e seus aliados perante a Justiça Eleitoral, como inelegibilidade, no futuro? Acredito que sim. O TSE e o Poder Judiciário têm diante de si uma oportunidade singular de reacreditar o nosso sistema eleitoral e o Estado de Direito de um modo geral. A resposta tem que ser contundente. Ele comete constantemente um crime contra a independência e a autonomia dos Poderes, contra o processo eleitoral, crime que é capitulado como tal.
O Prerrogativas se notabilizou pela pauta anti-lavajatista. Como o grupo propõe conciliar uma defesa das prerrogativas dos investigados com um combate à corrupção que seja realmente efetivo, que dê resultados? Nosso grupo sempre defendeu o combate à corrupção. O que nós dizemos, entretanto, é que não podemos, a pretexto de combater a corrupção, corromper nosso sistema de justiça. Nós queremos que ocorra com respeito integral ao sagrado direito de defesa, com respeito integral à paridade de armas (entre defesa e acusação), ao princípio do juiz natural, ao juiz insuspeito. Nós nunca negamos que houve corrupção no Brasil. Houve e continua havendo. O que nós dissemos desde o início é que nem tudo era corrupção, que alguns atores do cenário político foram escolhidos como alvos para que, mais do que eles, o projeto político que eles encampavam fosse criminalizado. Houve no país, com responsabilidade compartilhada entre juízes, procuradores e advogados – porque não vamos deixar de olhar para nós mesmos –, a criação de uma indústria de delações com objetivos políticos e eleitorais que visava atingir determinado grupo e determinado projeto político. Fabricaram-se histórias e narrativas para atender esses objetivos, e em 2018 trabalhou-se de forma intensa com o claro objetivo de tirar das eleições presidenciais aquele que era o favorito, o ex-presidente Lula.
Como vê a posição oscilante do Supremo Tribunal Federal? Em algum momento o Supremo fez coro ao lavajatismo, bateu palmas. Mas quando foi chamado a refletir de forma mais aprofundada, reacreditou nosso sistema de justiça, merece nosso reconhecimento. Embora a gente saiba o que foi feito no verão passado. O Supremo oscilou quando não pautou as ADCs 43 e 44 (ações que discutiam a constitucionalidade da prisão de condenados em segunda instância) porque sabia que isso ia atingir o presidente Lula. Oscilou quando aplicou uma regra regimental de conveniência e colocou o habeas corpus de Lula no plenário, tirando da Segunda Turma, onde ele teria maioria favorável. Oscilou quando não enfrentou Sergio Moro e Deltan Dallagnol porque eles tinham apoio da opinião pública. Agora, nossa alegria é que, quando foi chamado à razão em questões importantes como demarcação de terras indígenas, células-tronco, temas tributários, presunção de inocência, aborto de feto anencéfalo, o tribunal deu respostas contundentes e oportunas. No caso da Lava Jato, embora tardiamente, o Supremo corrigiu a rota e distorções que ele próprio ajudou a alimentar.
Ao deixar de pautar as ações que discutiam a constitucionalidade da prisão em segunda instância, a ministra Cármen Lúcia, que presidia o STF em 2018, pautou o caso específico do habeas corpus de Lula. E então houve o voto decisivo da ministra Rosa Weber para não conceder o HC em respeito ao entendimento vigente na Corte. O que é uma tese absurda, com todo o respeito à ministra Rosa. O que a Constituição tutela? A vida e a liberdade como valores máximos. O prejuízo para um inocente no cárcere é absolutamente irreparável. Se havia dúvida razoável de que o STF poderia mudar a situação não só do Lula como de outros brasileiros, eles deveriam aguardar esse julgamento em liberdade, não presos. Esse voto da ministra Rosa pela colegialidade trouxe um prejuízo irreparável a um bem tutelado, na hierarquia constitucional, com relevo, que é a liberdade. Esses três fatos associados – a ministra Cármen não ter pautado (as ações sobre a constitucionalidade da prisão em segundo grau), a ministra Rosa ter dado esse voto e a manobra de tirar o habeas corpus do Lula da Segunda Turma para julgar no plenário – foram uma postura tão parcial quanto a parcialidade do próprio Moro. Justiça seja feita ao ministro Dias Toffoli, que, quando esteve na presidência, pautou o julgamento das ações e permitiu que o ex-presidente Lula e tantos outros brasileiros respondessem em liberdade.
O atual presidente do STF, ministro Luiz Fux, disse recentemente que existiu corrupção, que ela não deve ser esquecida e que os processos só foram anulados por questões formais. Como o senhor vê essa declaração? É no mínimo inoportuna e indelicada com a própria Corte que ele preside. O que se espera do ministro Fux é uma autocrítica sobre o seu papel na alimentação do monstro – o lavajatismo – que pariu o bolsonarismo. Como eu disse, nunca negamos que houve corrupção no país, mas nem todas as acusações eram verdadeiras. O que se espera é que o ministro se manifeste sobre a corrupção do sistema de justiça, com juízes e procuradores parciais, com a farra de passagens e diárias, com os vergonhosos vencimentos muito acima do teto constitucional.
O Prerrogativas é visto como muito próximo do Lula e do PT. Na sua opinião, isso não pode macular essa atuação maior em prol das instituições democráticas? Eu, pessoalmente, sou petista desde sempre, milito no PT desde os 16 anos. O grupo, entretanto, não é um puxadinho do PT. O grupo tem pauta e agenda próprias e está atuando na defesa da democracia. Embora não seja um puxadinho do PT, nós entendemos que, novamente em 2022, temos de um lado a civilização e do outro lado a barbárie, e resolvemos escolher a civilização. O apoio a Lula é consequência quase lógica, que tem que ser exarada por todos aqueles que defendem as instituições.
Entrevista publicada originalmente na Veja.
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