Por Mônica Bergamo com colaboração de Bianka Vieira, Karina Matias e Manoella Smith
Grupo Prerrogativas afirma que caso ocorre a partir de uma conjunção de fatores como a reforma trabalhista do governo Bolsonaro
O grupo Prerrogativas, que é composto por advogados, juristas e defensores, fizeram uma nota em repúdio ao caso dos trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves (RS).
O coletivo afirma estar “horrorizado” com a notícia e diz que o caso ocorre a partir de “uma conjugação de fatores”. O Prerrogativas cita como exemplo a reforma trabalhista de 2017 e uma suposta “supressão proposital da fiscalização trabalhista sob o governo [do ex-presidente Jair] Bolsonaro“.
“Esse tipo de ocorrência está relacionada à depreciação de resguardos jurídicos contra os abusos inerentes à terceirização desenfreada e à utilização do trabalho temporário em condições desumanas”, diz a nota do Prerrogativas.
Como mostrou a Folha, os trabalhadores encontrados começaram a voltar para casa na noite de sexta-feira (24). São 207 pessoas que trabalhavam para uma empresa terceirizada, contratada pelas vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton, importantes produtoras da região. As três dizem que não tinham conhecimento da situação relatada.
O Ministério Público do Trabalho negociou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) emergencial com o dono da empresa que os contratou, garantindo que cada um recebesse R$ 500 em dinheiro. O restante das verbas rescisórias será quitado até o próximo dia 28.
“Está estabelecido no TAC que o empresário deverá apresentar a comprovação dos pagamentos sob pena de ajuizamento de uma ação civil pública por danos morais coletivos, além de multa correspondente a 30% do valor devido”, disse o MPT.
Estima-se que o total das verbas rescisórias some R$ 1 milhão. Segundo o MPT, o custo do transporte dos trabalhadores de volta à Bahia também ficou sob responsabilidade do contratante.
Veja, abaixo, a íntegra da nota do grupo Prerrogativas:
“Juristas, professores e profissionais do Direito que integram o grupo Prerrogativas, horrorizados com a notícia da submissão de cerca de 200 trabalhadores a um brutal e perverso regime de trabalho análogo à escravidão na colheita de uva da região de Bento Gonçalves (RS), expressam a sua compreensão de que tal ocorrência resulta de uma conjugação de fatores que desprezam garantias humanitárias e constitucionais em favor da dignidade humana e da proteção social e precisam ser enfrentados de modo imediato e contundente em nosso país.
Para os juristas do Prerrogativas, esse tipo de ocorrência está relacionada à depreciação de resguardos jurídicos contra os abusos inerentes à terceirização desenfreada e à utilização do trabalho temporário em condições desumanas. Por outro lado, a restrição proposital de mecanismos de fiscalização de condições do trabalho, perpetrada dolosamente nos últimos anos, constituiu um estímulo decisivo para que, sob a conivência e as vistas grossas dos tomadores de serviços, se produzissem contratações laborais orientadas por uma libertinagem de índole escravocrata e profundamente exploradora da força de trabalho.
O grupo Prerrogativas alerta para a circunstância de terem sido constatadas fraudes sistemáticas em relação a promessas de emprego, convertidas em imposição de condições degradantes, num sistema inegavelmente restritivo, que vincula os trabalhadores a dívidas inidôneas por alimentação e transporte, com jornadas extenuantes, privação de cuidados médicos e péssimas condições de alojamento. Sublinha a adição de denúncias de atos vis e criminosos, como utilização de choques elétricos para despertar trabalhadores, sprays de pimenta e espancamentos para castigá-los e exibição de armas de fogo como forma de intimidação. Mesmo considerada a necessidade de observar o direito de defesa, isso é muito grave.
Na visão do Prerrogativas, esse gravíssimo contexto está indissoluvelmente ligado ao tratamento deturpado dos temas da terceirização e do trabalho temporário, em detrimento do texto da Constituição, assim como à imposição de uma reforma trabalhista ilegítima, a cavaleiro do golpe de 2016 e à supressão proposital da fiscalização trabalhista, sob o governo Bolsonaro. Tais circunstâncias, fomentadas por desacertos da jurisprudência constitucional do STF, sem dúvida permitiram a disseminação da noção de que o trabalho deveria ser fortemente desregulado, resultando em cenários de exploração que alcançam as raias da escravização contemporânea.
Em suma, entende o grupo Prerrogativas que a questão do respeito aos direitos social-trabalhistas deve doravante ser assumida com absoluta prioridade, de forma a reverter a devastação provocada pelo triunfo ultraliberal do conceito de ‘liberdade econômica’, responsável pela proliferação de situações de exploração do trabalho incompatíveis com a dignidade humana e com o nosso sistema constitucional de direitos e garantias”.
Publicado originalmente na Folha de S.Paulo.
Deixe um comentário
Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados com *