728 x 90

Quem será o auditor dos auditores?

Quem será o auditor dos auditores?

Por Walfrido Warde e Valdir Simão

Validação externa das urnas é ‘zelo’ desnecessário

O presidente Jair Bolsonaro (PL) quer que as eleições e o funcionamento das urnas eletrônicas se submetam a uma auditoria privada. É um excesso de “zelo democrático”, típico dos campeões da democracia. Não à toa, essa preocupação recebeu o apoio de setores das Forças Armadas. Todos querem que o vencedor seja mesmo o vencedor.

Mas há sempre limites às boas intenções. A lei é, não raro, um deles. E o bom senso o outro. O país construiu desde a redemocratização um sólido aparato de controle. Uma empresa de auditoria privada trabalha sob todo o tipo de pressões e de influências, mais ou menos infensas às regras de transparência e de expurgo de conflitos de interesse que, num Estado democrático de Direito, impõe-se ao Tribunal Superior Eleitoral —que é o órgão competente à gestão das eleições deste ano e de todas as outras que tivemos desde a superação do regime autocrático instaurado em 1964.

No setor privado, a independência de uma auditoria forense se garante por regras e estruturas de governança, a exemplo dos comitês de assessoramento ao conselho de administração das companhias, com membros independentes, encarregados de contratar e de definir o escopo da auditoria. No caso das eleições, a independência de uma auditoria contratada por quem tem interesse direto no resultado do pleito, seja o candidato, sejam seus correligionários, é duvidosa.

 
Temos assistido ao excelente papel desempenhado pela Justiça Eleitoral desde a reinstituição de eleições diretas no Brasil. Um trabalho contínuo de especialização tecnológica e de melhoria de controles inserem o Brasil entre as mais desenvolvidas democracias eleitorais do planeta. E não é uma pequena democracia. O país tem dimensões continentais, graves disparidades socioeconômicas, superadas a cada eleição sob a excelência do nosso sistema eleitoral —pelo qual, diga-se de passagem, o presidente se elegeu em 2018.
Muitos estranharam que o povo tivesse majoritariamente depositado confiança em Jair Bolsonaro. Ele não ostentava experiência executiva e nunca escondeu suas ideias chocantes. Mas nenhuma voz eloquente aventou que ele tivesse sido eleito por fraude. O povo o elegeu. Não há dúvidas.
 
Não vale agora, presidente, por mais que compactuemos com seu “zelo democrático”, porque a democracia é muito cara para nós, substituir os controles de Estado pela opinião de uma auditoria privada, porque nós não sabemos bem, nem mal, quais são os auditores dos auditores.
 
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.
Compartilhe

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados com *

Mais do Prerrô

Compartilhe