Por Reynaldo Turollo Jr.
Advogado Marco Aurélio de Carvalho afirma que combate à criminalidade vai estar interligado com ações de outros ministérios, como Educação e Cidades
Coordenador do grupo de advogados Prerrogativas, próximo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e integrante da transição do novo governo, o advogado Marco Aurélio de Carvalho afirma que a segurança pública será tratada como prioridade e em articulação com iniciativas de outras áreas, como Educação, Cidades e Desenvolvimento Social. O crime organizado, segundo ele, deve ser combatido com investimentos no setor de inteligência das polícias — ideia que agrada aos especialistas em segurança pública, mas que sempre encontrou obstáculos na hora de ser aplicada.
De acordo com Carvalho, os nomes que foram reunidos pelo governo eleito para debater os temas da área de Justiça e Segurança Pública estão dedicados neste momento a identificar todas as normas do governo de Jair Bolsonaro (PL) que deverão ser revogadas já nos 100 primeiros dias da nova gestão. Confira a entrevista:
Como vai funcionar o trabalho do grupo de transição na área de Justiça e Segurança Pública? O desafio é apresentar um diagnóstico pormenorizado nessa área, com propostas com medidas objetivas para os 100 primeiros dias de governo. Vamos assumir um compromisso com um conjunto reduzido e mais emergencial de medidas para esse período, à luz dos problemas que diagnosticarmos, e também relacionadas a execução orçamentária, contratos, licitações que estão próximas de vencer, além da legislação que precisa ser revogada.
Uma das primeiras medidas anunciadas, aliás, é um “revogaço” de normas que flexibilizaram o armamento da população. Como será isso e quais são alguns exemplos? Estamos fazendo um diagnóstico das medidas legislativas e administrativas que precisam ser revistas. A ideia é que a gente revogue qualquer medida que de alguma forma incentive o armamento da população. São todos os decretos que flexibilizaram o Estatuto do Desarmamento e ampliaram os acessos a armas de fogo. Temos que revogar os decretos de sigilo de 100 anos, porque pode ser que ali tenha algum tipo de medida que tenha colaborado com a política de armamento da população. Também temos que revogar o decreto 9.846, de 2019, que garante por dez anos o direito dos CACs (caçadores, colecionadores e atiradores) de adquirir até 60 armas de fogo, inclusive de grosso calibre, e mais de 180.000 cartuchos de munição, o que é um verdadeiro absurdo. E vamos precisar criar uma nova regulamentação dos CACs, mas isso não vai ser feito de imediato, esse é um desafio para o governo ao longo do mandato. Para se ter ideia, na gestão anterior, nós tivemos um crescimento de 474% de registros de CACs, e temos que investigar esse aumento tão significativo, ver se tudo isso se refere realmente a CACs.
O senhor tem dito que a segurança pública vai ser tratada de forma transversal, junto com outros ministérios. Como a segurança vai estar articulada com outras pastas? As políticas públicas de segurança têm que ser estabelecidas com transversalidade, não dá para tratar segurança pública na perspectiva da reafirmação do binômio repressão-prisão. Temos que dialogar com a pasta das Cidades, da Educação, do Desenvolvimento Social e outras. Gerar oportunidades, emprego e renda é a melhor forma de combater a criminalidade. Estabelecer políticas públicas que deem dignidade a parcelas significativas da população também é uma forma eficaz de combater a violência, dando padrões de civilidade.
O campo progressista costuma ser acusado de ser leniente com os criminosos, em geral por fazer ressalvas ao encarceramento em massa. Ao mesmo tempo, há um forte crime organizado atuando no país, como se pôde ver com essa modalidade de “novo cangaço”, em que grupos criminosos aterrorizam cidades inteiras para assaltar bancos, além da Amazônia, que está tomada pelo narcotráfico e por facções que disputam espaço nas fronteiras. Como isso deve ser enfrentado? Nós fazemos, sim, ressalvas às políticas de encarceramento em massa porque o sistema de Justiça brasileiro infelizmente é seletivo, tem um alvo preferencial: a população pobre, preta e periférica. Desencarcerar a população penitenciária brasileira e ressocializá-la é um dos nossos grandes desafios. Mas não somos e não seremos nunca lenientes com a criminalidade. Nós vamos combatê-la com inteligência e com a articulação de políticas públicas que deem oportunidades reais a milhares de jovens à margem da sociedade. Precisamos aumentar o policiamento nas fronteiras articulando a presença física com o monitoramento tecnológico. Do mesmo modo, crimes digitais devem ser enfrentados com inteligência. Nós vamos investir muito nas polícias para que elas estejam preparadas para agir com inteligência no desbaratamento dessas quadrilhas.
Qual é a tendência hoje, separar a Justiça da Segurança Pública ou manter tudo em um ministério só, como está? Houve uma promessa do presidente Lula e do vice Geraldo Alckmin que vai ao encontro da perspectiva de divisão da pasta. Mas isso me parece ser uma questão menor. Tão importante quanto é colocar o tema da segurança como prioridade em relação às políticas públicas deste governo. Eu não sou um grande entusiasta da divisão da pasta. Podemos dar centralidade à segurança pública com a manutenção dela no Ministério da Justiça se eventualmente encontrarmos caminhos para fortalecer a Secretaria Nacional de Segurança Pública, a Senasp, fortalecer o Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), que é muito bem-sucedido, criar uma Secretaria da Justiça Racial. A esquerda sempre teve o desafio de trabalhar com o tema da segurança pública e vai fazer isso honrando as expectativas depositadas neste projeto que venceu as eleições.
Entrevista publicada originalmente na Veja.
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