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Transparência de contracheques no Ministério Público é pior que a do Judiciário

Transparência de contracheques no Ministério Público é pior que a do Judiciário

Por Uirá Machado

Obstáculos dificultam pesquisa sistemática da remuneração de promotores e procuradores, mostra estudo

A transparência da remuneração de promotores e procuradores dos Ministérios Públicos nos estados é pior do que a do Judiciário como um todo, aponta estudo inédito da Transparência Brasil.

De acordo com relatório que a entidade divulga nesta terça (3), o órgão responsável por fiscalizar os poderes públicos e defender o cumprimento das leis cria uma série de obstáculos para a coleta mensal automatizada dos contracheques de seus membros, prejudicando o controle social sobre salários e demais verbas que recebem.

A existência de barreiras à consulta sistemática atrapalha ou até impede que a sociedade civil saiba se os recursos públicos estão sendo utilizados corretamente ou se há casos de pagamentos abusivos a promotores e procuradores, por exemplo.

As dificuldades começam no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Enquanto o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) centraliza as prestações de contas dos Tribunais de Justiça, o CNMP apenas oferece a lista de links para acesso ao portal de cada unidade nos estados.

Segundo a Transparência Brasil, essa variação de formatos torna excessivamente custoso o levantamento dos contracheques, o que contraria a Lei de Acesso à Informação e a resolução do próprio CNMP.

Além dessa falta de padrão nacional, há ainda empecilhos no site de muitos Ministérios Públicos. Na maior parte das unidades da federação, o obstáculo é tão grande que a Transparência Brasil considerou inviável continuar com a análise e optou por excluir de seu ranking 14 dos 27 órgãos estaduais.

Por meio da assessoria de imprensa, o CNMP afirmou que o Judiciário possui maior hierarquia administrativa, ao passo que, no Ministério Público, prepondera o princípio da autonomia, o que permite a existência de especificidades e distinções entre as unidades.

Para Juliana Sakai, diretora de Operações da Transparência Brasil, a explicação não convence. “O dever de dar transparência não conflita de forma alguma com essa autonomia”, diz.

​”[Essa postura] levanta a preocupação de que talvez o CNMP não tenha interesse de promover o controle social sobre o Ministério Público, abusando do princípio de autonomia para justificar a falta de transparência”, afirma Sakai.

Ela observa que o CNMP chegou a consolidar os dados de remunerações de todos os Ministérios Públicos, mas a iniciativa durou somente de janeiro de 2018 a fevereiro de 2019.

“Esse retrocesso demonstra quão pouco o órgão está disposto a concretizar a Lei de Acesso à Informação”, afirma a diretora da Transparência Brasil.

Sakai aponta o paradoxo dessa situação: “A quem vamos recorrer se o CNMP, que deveria promover a transparência do Ministério Público, não cumpre com normas de transparência estabelecidas para o Ministério Público?”.

“Espera-se que o CNMP reveja sua postura e que os Ministérios Públicos melhorem sua apresentação de dados, porque de outra forma é difícil crer que o Ministério Público não tenha nada a esconder do contribuinte”, diz Sakai.

O CNMP, por meio de sua assessoria de imprensa, disse que a promoção da transparência e do acesso à informação é medida imprescindível para o fortalecimento da democracia e para o aperfeiçoamento da gestão pública.

O órgão afirmou que faz um trabalho constante de fiscalização e acompanhamento da transparência e que, quando são identificados problemas, a unidade responsável é instada a fazer o ajuste.

Disse também que pode minimizar erros com o monitoramento periódico e orientação a partir de um manual.

RANKING DE TRANSPARÊNCIA

Um dos objetivos da Transparência Brasil com o Índice de Transparência DadosJusBr é contribuir para que as informações sejam divulgadas com mais clareza e o acesso a elas seja facilitado.

Após a publicação do relatório sobre o Poder Judiciário, por exemplo, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, o da Paraíba e o do Tocantins corrigiram os problemas identificados pela organização não governamental.

No caso dos Ministérios Públicos, todos têm aspectos a aprimorar, já que nenhum obteve pontuação máxima na avaliação da Transparência Brasil.

Os problemas mais sérios estão nas 14 unidades que nem constam do ranking. São os Ministérios Públicos dos seguintes estados: Acre, Bahia, Espírito Santo, Maranhão, Pará, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Roraima, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins.

Esses órgãos, segundo a Transparência Brasil, não cumpriram a resolução 89/2012 do CNMP, segundo a qual os sites devem possibilitar “acesso automatizado por sistemas externos em formatos abertos, estruturados e legíveis por máquina” (os problemas de cada um estão indicados no infográfico).

Os outros 13 que apresentaram condições mínimas foram analisados segundo diversos critérios agrupados em duas dimensões. A pontuação no índice corresponde à média delas (o infográfico indica a classificação completa).

A primeira dimensão é a facilidade, que afere se o órgão possibilita, dificulta ou impede o processamento automatizado dos dados. A segunda dimensão é a completude, que avalia quão completa é a prestação de contas realizadas.

Por causa da ausência de um controle centralizado por parte do CNMP, o ranking dos Ministérios Públicos apresenta mais disparidade de pontuação do que o dos Tribunais de Justiça, já que o CNJ promove uma padronização.

Assim, enquanto os problemas nos TJs quase que se restringem à omissão de contracheques, no caso dos Ministérios Públicos eles envolvem não só a ausência de informações mas também dificuldades específicas de acesso aos dados.

OUTRO LADO

Folha procurou os Ministérios Públicos de todos os estados, além do CNMP.

Apesar das tentativas de contato na quarta (27) e na sexta (29), não foi possível falar com o MP-ES e não houve resposta dos seguintes órgãos: MP-ES, MP-MA, MP-RS, MP-SE, MP-CE, MP-AL, MP-AM e MP-PR.

O CNMP diz que avalia o desempenho dos órgãos estaduais com base em seu manual de transparência, o qual traz parâmetros para apresentação dos dados e está em constante atualização.

Todos os Ministérios Públicos que responderam à reportagem disseram valorizar a transparência na administração pública.

Além disso, MP-AC, MP-BA, MP-RJ, MP-RN, MP-SC, MP-SP, MP-TO, MP-GO, MP-PE, MP-MS, MP-PB, MP-MT, MP-MG e MP-AP afirmaram que seguem os parâmetros do manual do CNMP ou estão se adequando a eles e que procuram se aperfeiçoar constantemente.

O MP-RR e o MP-PA disseram que seguem os parâmetros do CNMP e que fizeram ajustes no site após contato da reportagem.

O MP-RO disse não ter como comentar porque o relatório da Transparência Brasil não foi publicado.

O MP-PI disse que segue os parâmetros do CNMP, que não está ciente de dificuldades de acesso ao site e que, portanto, não está tomando providências para melhorar.

O MP-DFT disse que a suposta dificuldade de acesso deve ser encaminhada diretamente ao CNMP para que os ajustes necessários sejam feitos e que a instituição segue as diretrizes da Lei de Acesso à Informação e da Lei Geral de Proteção de Dados. A unidade diz ainda que as informações são disponibilizadas em arquivo PDF, o que, segundo o órgão, facilita o manuseio dos dados.

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.

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