O Grupo Prerrogativas, composto por profissionais e docentes da área jurídica, atento ao debate constitucional no STF acerca das garantias de acesso à Justiça do Trabalho para indivíduos reconhecidamente carentes de recursos econômicos (ADI 5766, proposta pela Procuradoria Geral da República – PGR), vem consignar a sua preocupação com os votos que defendem uma brutal restrição ao princípio constitucional de universalidade da jurisdição.
A ADI 5766, que aprecia a constitucionalidade de artigos da CLT modificados pela Reforma Trabalhista de 2017, cujo julgamento foi retomado em 14/10/21, conta até agora com maioria de dois votos contra um pela imposição de ônus abusivos de custas, honorários periciais e honorários advocatícios de sucumbência, mesmo a trabalhadores detentores do direito à Justiça Gratuita, muitos deles desempregados.
Nesse sentido, existe o risco de acolhimento da validade de normas legais que ameaçam o preceito da inafastabilidade do controle judicial (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República), como garantia fundamental dos direitos materiais, do exercício de cidadania e da finalidade social de existência digna, previstos na Constituição. A ação foi proposta pela PGR, de modo a expressar o interesse da sociedade na preservação do acesso à Justiça em favor de pessoas desfavorecidas de recursos econômicos.
A justificativa dos votos cerceadores do acesso à Justiça às pessoas pobres seria o imperativo pragmático de contenção das chamadas “demandas frívolas”, que serviriam apenas para sobrecarregar o Poder Judiciário, exigindo medidas de desestímulo a “aventuras judiciais”, traduzidas em prejuízos pecuniários para os autores das ações derrotadas. Trata-se de uma ilação enganosa, que busca atribuir uma pesada e indevida carga aos trabalhadores reclamantes e aos seus advogados, decorrente da suposição de previsibilidade de resultados, que sabemos ser impossível de exercitar.
O simples fato de haver insucesso numa ação judicial não significa ter existido atitude maliciosa da parte autora ou de seu patrono. Ademais, a lei já prevê consequências danosas aos protagonistas das chamadas “litigâncias de má-fé”, situações excepcionais que em nada se assemelham à matéria ora em julgamento no STF.
Por outro lado, as posições de restrição ao acesso à Justiça do Trabalho, sufragadas nos votos já proferidos nesse sentido na referida ADI 5766, exprimem um grave equívoco, que parte de uma deformada “perspectiva econômica” do Direito e da Jurisdição, chegando a conceber uma noção arbitrária de acesso “responsável” à Justiça, adjetivação inexistente em nosso texto constitucional e alheia à doutrina jurídica específica. Em verdade, o fomento à acessibilidade judicial, cuja matriz ideológica advém da obra seminal do jurista italiano Mauro Capelletti, repele condicionamentos de índole econômica ou pragmática, ao contrário do que sustentam os votos da precária maioria constituída no Supremo até aqui.
A continuidade do julgamento do tema, em 20/10/21, proporciona a chance de reversão dessa desacertada tendência, considerados os ditames da Justiça Social inspiradores da legislação trabalhista, para afastar obstáculos de acesso à Justiça em relação aos trabalhadores e assegurar o cumprimento do comando constitucional que prevê a “assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (art. 5º, LXXIV, da Constituição da República).
Não se deve inibir a contestação judicial de lesões a direitos trabalhistas básicos, sobretudo por aqueles trabalhadores despossuídos de mínimos recursos econômicos. Impor ônus financeiros dissuasórios a estes indivíduos representa uma perversa subtração de suas esperanças na autêntica função do Poder Judiciário.
Os verdadeiros problemas do Direito do Trabalho no Brasil não estão concentrados em “demandas frívolas”, “aventuras judiciais” ou “irresponsabilidade no acesso ao Poder Judiciário”, mas sim na falta de efetividade da tutela jurisdicional e em uma mesquinha cultura do inadimplemento de obrigações trabalhistas por parte de algumas empresas, que lucram e calculam as vantagens de sonegarem o pagamento de verbas elementares previstas em lei e na Constituição.
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